O Humor como contrapoder

José Sócrates, Manuela Ferreira Leite, Santana Lopes, António Costa. Apesar de não serem propriamente conhecidos pelo seu sentido de humor, têm protagonizado inúmeros episódioshilariantes, seja através das imitações dos ‘Gato Fedorento’ (SIC) e de ‘Os Contemporâneos’ (RTP 1), ou nos apanhados de ‘Caia Quem Caia’ (TVI) e ‘Vai Tudo Abaixo’ (SIC Radical). A verdade é que quem está no poder facilmente se torna alvo de sátira, o que faz da política uma fonte inesgotável de material para os programas de humor.
'Para alguma coisa os políticos portugueses haviam de ser bons', afirma Ricardo Araújo Pereira, que ao longo das várias séries de ‘Gato Fedorento’ já imitou muitos políticos, sendo que o primeiro-ministro tem sido um dos seus alvos favoritos, sobretudo em ‘Zé Carlos’. José Pedro Vasconcelos, apresentador e repórter de ‘Caia Quem Caia’ (TVI), defende que 'o humor é contrapoder por natureza. Temos a classe política que merecemos e sensibilizamos o público o melhor possível'. Por sua vez, o crítico de televisão e professor universitário Francisco Rui Cádima entende que 'quando a política vai além da ordem natural das coisas e do Mundo e por se levar tão a sério corre o risco de fazer de qualquer cidadão um bom humorista.' Já Herman José avisa que, muitas vezes, os políticos acabam por ser 'concorrência desleal' para os humoristas. 'Muitos são dois em um:original e caricatura', acrescenta o comediante e apresentador de ‘A Roda da Sorte’ (SIC). Eduardo Madeira, actor e autor de ‘Os Contemporâneos’, alerta para o facto de, por vezes, os políticos serem, só por si, uma comédia. 'Normalmente, o trabalho deles supera o dos humoristas. Além de nos fornecerem muita matéria-prima, por vezes fazem coisas tão disparatadas que nos deixam sem nada para dizer. Quem sabe se, um dia destes, poderíamos pôr os políticos a fazer ‘Os Contemporâneos’ e nós a fazer um Conselho de Ministros...' Igualmente acostumado a brincar com o poder está Jel, que decidiu levar o seu programa ‘Vai Tudo Abaixo’ (SIC Radical) aos EUA em tempo de eleições. 'Ao longo da História vemos que a política, mais do que uma fonte de inspiração, tem sido uma nau para a comédia. O riso sempre esteve associado à contestação e a comédia sempre foi uma arma contra o poder', comenta. Já o crítico televisivo Eduardo Cintra Torres acredita que o trabalho dos humoristas passa por desmistificar o lado mais feio da política: 'Faz parte do entendimento da opinião pública que a política recorre à mentira, ao exagero, aos efeitos retóricos, às promessas de sonho. Além disso, em democracia a política diz respeito a toda a gente e as suas acções e palavras são muito divulgadas pelos media, pelo que é um tema que grande parte do público conhece e, assim, o trabalho dos humoristas é mais facilmente compreensível por um maior número.'
Outro dos motivos porque a política é tão apetecível diz respeito ao facto dos seus protagonistas serem alvos fáceis. 'É muito fácil fazer humor com a política. Além de terem uma exposição pública muito grande, eles representam o poder. E é sempre aliciante atacar o poder', admite Jel. Para Frederico Pombares, guionista do ‘Telerural’, na RTP 1, a 'predilecção pelos políticos advém do facto de eles gorarem o carácter seríssimo que a política tem no rumo das nossas vidas, invertendo-lhe a relevância. Quando algo tão sério é protagonizado por gente tão pouco séria, está mesmo a pedi-las.' Já Eduardo Madeira acredita que a maioria dos políticos reage mal às brincadeiras de que é alvo... mas em privado. 'Talvez tenham ataques de fúria e partam a casa toda. Mas, na rua, fingem manter a calma e ter um grande fair-play. Por isso são um alvo fácil', explica o humorista. Quem acredita que os representantes do poder até gostam de aparecer é Rui Cádima: 'Não vejo que a política seja ‘achincalhada’ nos programas de humor. Há que ter poder de encaixe, desde que não se passe dos limites... e ao humor concedem--se sempre limites generosos. Mas veja-se o ‘Contra-Informação’, que é um programa que leva a sátira política mais longe na televisão portuguesa. Como se sabe, os políticos gostam de se ver no programa, mesmo quando saem um pouco chamuscados.' Contudo, nem todos esperam sair ilesos destas brincadeiras. 'Há poderes muito perigosos. Que não reagem às claras. Que tomam as suas decisões cobardemente escondidos debaixo do manto diáfano da inimputabilidade. Vicissitudes de democracias em construção', alerta Herman José. No caso de ‘Vai Tudo Abaixo’, as reclamações são uma constante. 'Em Portugal é frequente recebermos queixas e ameaças dos partidos. Temos um ou dois processos. Curiosamente, nos EUA só tivemos problemas com as autoridades junto à Casa Branca, quando estávamos a gravar um sketch', revela Jel. No universo da política existem figuras mais caricaturáveis do que outras. José Pedro Vasconcelos acha que 'o elenco nacional é reduzido e parco em novidades.' Para Frederico Pombares, as personalidades mais apetecíveis 'são as que se contradizem e mais bizarras se tornam.' Eduardo Madeira dá um exemplo: 'a governadora do Alasca, Sarah Palin, é a típica rapariga que, se fosse da minha turma, quando era mais novo, passaria o tempo a ser gozada pelo seu ar de marrona bem comportada.' – *Com F.G. e M.A.R.
'LOUVADO SEJAS, Ó MAGALHÃES' BATE RECORDE DE QUEIXAS NA ERC
TELESPECTADORES OFENDIDOS
Até ao fecho da edição, a Entidade Reguladora para a comunicação social tinha recebido 125 queixas relativas ao sketch ‘Louvado Sejas Ó Magalhães’, exibido no ‘Gato Fedorento: Zé Carlos’. 'As reclamações não foram apenas de católicos, mas de áreas próximas do Governo. A 'campanha' do ‘Zé Carlos’ sobre o computadorzinho foi muito menos intensa do que do Governo', sublinha Cintra Torres.
CAMPANHAS PRESIDENCIAIS EM PROGRAMAS DE COMÉDIA
'HUMORISTAS SÃO MAIS CREDÍVEIS'
Durante as eleições nos EUA, tanto Barack Obama como John McCain aceitaram participar em programas de humor como ‘Daily Show’ e ‘Saturday Night Live’, numa estratégia para ganhar votos. 'Os políticos norte-americanos reconhecem que mais vale juntarem-se aos humoristas, já que não conseguem vencê-los', afirma Jel, que seguiu de perto as presidenciais com ‘Vai Tudo Abaixo na América’. E acrescenta: 'Hoje em dia, os humoristas são mais credíveis junto do público do que os políticos, que até usam o humor nos seus discursos. É coisa que ainda não se nota em Portugal, à excepção de Alberto João Jardim e Valentim Loureiro.'
fonte: CM

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