Mário Crespo > "Tenho um papela na informação"

Mário Crespo estreia hoje, às 21h00, um novo programa de entrevistas, na SIC. A primeira conversa é com Alberto João Jardim, que considera um “excelente convidado”.
Começa um novo programa. Em que consiste?
Consiste numa réplica daquilo que tenho feito na SIC Notícias durante estes oito anos. É uma entrevista que dura meia hora. A única diferença para mim é ser na antena aberta. É a diferença entre 100 mil e um milhão. Os convidados vão continuar a ser do mesmo calibre de até aqui. Variam entre Mário Soares e Lobo Antunes, José Saramago e Alexandre Quintanilha, Ramos Horta e Xanana Gusmão. Tudo o que tiver interesse público e tenha uma história para contar, que tenha algo a dizer sobre a nossa vida pública. Acho que nesse momento temos de estar atentos a isso também.
Quem é o primeiro entrevistado?
Vou entrevistar o Alberto João Jardim. Vai ser um arranque auspicioso. Vou à Madeira entrevistá-lo. Foi uma escolha muito deliberada, sobretudo na sequência do veto presidencial, da atitude parlamentar à região autónoma dos Açores. A problemática regional impõe-se novamente. O dr. Alberto João tem certamente uma palavra a dizer sobre isto. Depois é uma personalidade com imensa força e cor na nossa vida pública e política.
E algo controverso, também...
Somos todos. Não o acho mais controverso do que muitos outros. É mais vocal e tem uma maneira de actuar que dá nas vistas. O que o torna ainda mais num excelente convidado para o meu primeiro programa. Estarei em directo da Madeira. Vou no domingo e entrevisto-o na segunda em directo para a SIC generalista às 21h.
Não vai ser um programa preso ao estúdio.
Não, de todo. Se o Barack Obama me desse uma entrevista estava lá amanhã! Já estava a caminho!
Qual foi a que o tirou mais do sério? Odete Santos a tecer ‘elogios’ á ministra da Educação ou a célebre cena com Valentim Loureiro?
É um ambiente muito calmo. A haver algum mérito no que faço, ou no ambiente que construo ali, é que é absolutamente idêntico a uma conversa cá fora, normal. Tento que seja uma réplica de uma conversa no sentido real e normalmente as perguntas que faço são perguntas que me interessam pessoalmente e confio que interessem à maior parte das pessoas. Provavelmente por isso as pessoas se sintam tão à vontade. No caso de Odete Santos, ela sempre teve uma linguagem muito metafórica. Aquilo foi dito num contexto político e metafórico. O ambiente, tento sempre que seja o mais elevado e pela regra é. Não há um momento que consiga distinguir como o mais ‘intenso’. Obviamente toda a gente fala da entrevista do Valentim Loureiro. Ele estava muito crispado e eu estava muito crespo. A haver algum elemento foi a diferença de estilos e de personalidades. Nunca achei que isso fosse um marco muito especial na minha maneira de estar na informação e também não creio que a entrevista o tenha alterado a ele. A maneira como a entrevista acabou foi ele a dizer que nunca mais falava comigo e nunca mais vinha. E eu a dizer-lhe: é pena porque o senhor é um excelente entrevistado. E é algo que mantenho.
O ’60 Minutos’ vai continuar?
Sim, claro. Nada muda a não ser na segunda-feira, que por razões óbvias não posso fazer o jornal à noite. De modo que houve uma alteração na grelha da SIC Notícias. A edição da noite é prolongada por uma hora.
Já dura há quanto tempo?
Aqui tem a duração da SIC Notícias. Oito anos, sempre comigo. Muita gente pergunta porque é que não fazemos uma edição portuguesa. Respondo sempre a mesma coisa: Precisávamos de uma redacção do tamanho da da SIC inteira para conseguir produzir aquilo.
Esteve na RTP e agora volta ao sinal aberto. É bom?
Sinto pouco isso porque temos na SIC Notícias uma marca nacional tão vincada, que a haver uma taxa de reconhecimento das pessoas... tenho a sensação que hoje sou mais identificado pelo trabalho que faço na SIC Notícias do que pelo que fiz na RTP, embora o trabalho na RTP se tenha prolongado por mais 20 anos.
Tem a noção que as pessoas lhe reconhecem credibilidade?
Seria de uma imodéstia muito grande admitir que sim. Mas também seria de uma falta de realismo dizer que não. Sei que tenho um papel na nossa informação. Tenho trabalhado para ele há décadas. Faz parte da minha vida. Ser jornalista é a minha vida. Sem isso ela seria muito incompleta.
Tem saudades da RTP?
Neste momento não. Não trocava a SIC por rigorosamente nada. Acho que as dificuldades que a indústria privada está a atravessar nos fazem redescobrir energias novas. Esta ida para o canal generalista é uma dessas iniciativas. A RTP foi uma época da minha vida. Houve um período em que pensei que podia fazer carreira na RTP. Mas a dependência estatal e sobretudo a dependência política é uma carga muito grande.
Essa dependência intensificou-se com o passar dos anos?
Quando vejo o ambiente em que trabalho, de total liberdade e não deve haver muitos órgãos de comunicação no mundo com este ambiente de autocrítica e troca de impressões do mais desinibido que há... A SIC e a SIC Notícias têm uma cultura muito própria que a RTP não tem.
Quer dizer que a RTP é complexada?
A RTP é mais do que complexada. Deixou-se subjugar durante décadas demais. Tem uma carga imensa de afectação ao poder político de que é muito difícil libertar-se, para quer que esteja lá a trabalhar. É uma espécie de estigma de que a RTP se conseguiu emancipar e tenta reinventar-se o que acaba por lhe retirar identidade. A SIC não tem essa necessidade de reinvenção.
O que acha do ‘Jornal Nacional’ à sexta-feira, com Manuela Moura Guedes?
Gosto muito. Só tenho pena de ser em cima da hora a que eu trabalho. Senão seria um dos jornais que eu via. É um programa semanal certamente com grande impacto.
Gostava de voltar à imprensa?
Gosto muito da escrita e é muito exigente. Neste momento gostava de fazer o que faço.
E também já trabalhou na rádio?
Sim, foi o primeiro emprego que tive. Na rádio em Joanesburgo, na África do Sul. Foi o começo de tudo. Tinha 24 aninhos, tinha acabado de sair da tropa. Tinha a cabeça ainda um bocadinho desarrumada.
Mas andava indeciso quanto ao futuro?
Andava muito confuso. Entrei em engenharia, mas já não tinha confusão nenhuma porque já tinha entrado no técnico. Sai do exame de matemática e nem fui ver a nota. Saí ao fim do primeiro ano. Ainda pensei em ir para universidade em Joanesburgo mas não tinha disponibilidade e era muito caro.
É um homem que já esteve em várias partes do mundo. Sente-se português?
Sinto... Estive muito perto de adquirir nacionalidade sul africana, mas nunca o fiz. Tive residência permanente. Obviamente sou português e não é só porque a minha língua é a minha pátria. Se calhar em termos linguísticos até tenho outras pátrias também.
Pensa em que língua?
Depende. Nem sempre é em português. Sobretudo dá-me muito prazer ler e escrever em Inglês.
Tem mais facilidade?
Acho que sim. Acho que até foi uma das minhas limitações iniciais em Portugal. Lembro-me que quando vim para cá em 1981 até trouxe uma máquina de escrever portátil QWERT, porque não me conseguia entender com uma AZERT que eram as da RTP.
Viveu nos EUA. Ainda continua com o mérito de ter sido o único jornalista português com acreditação permanente na Casa Branca?
Sim é verdade. O Luís Costa Ribas tinha um condicionalismo especial por ter trabalhado na Voz da América. A Casa Branca só credencia jornalistas que nunca tenham trabalhado para sistemas governamentais. A Voz da América era um Sistema Governamental.
É o pivô mais antigo da Europa?
Sou certamente. E o jornalista também!
Gostava de voltar aos EUA?
Gostava. Provavelmente a minha vida passará por aí. No futuro terei períodos prolongados em que vou viver na zona de Washington.
PERFIL
Mário Crespo nasceu em Coimbra há 62 anos. Passou a infância em Moçambique e mais tarde voltou para Portugal. O primeiro emprego foi numa rádio em Joanesburgo, África do Sul. Já de regresso a Portugal, foi director do jornal ‘A Capital’, esteve mais de 20 anos na RTP, parte dos quais como correspondente nos EUA. Mais tarde passou para a SIC, onde se mantém.
fonte: CM

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