Senhoras e senhores, a vossa atenção: o artista que vamos apresentar tem o dom da ubiquidade, consegue transformar-se numa pessoa completamente diferente e reaparece do nada sem ninguém perceber como. Este homem, outrora conhecido pelo "ganda maluco" do "Cabaret da Coxa", desapareceu do radar televisivo sem deixar rasto. Foi visto na internet a fazer vídeos caseiros e num papel secundário na "Floribella". Agora surge em dois canais ao mesmo tempo (SIC Radical e Q), mas na pele de um tipo tímido que não comete excessos. A transformação, corrige, sempre fez parte da sua carreira: "É um clique quando a câmara se liga. Canalizo toda a rebeldia para a televisão." Fora dos estúdios, evita os holofotes. Foi com alguma reserva que aceitou dar a entrevista. Começou por pedir para ser por email, mas depois condescendeu: "Estive na penumbra tantos anos... e faz sentido relembrar que tenho algum passado, já são 14 anos de televisão." Diz que está a fazer um esforço para não se fechar em casa e entrar no jogo da fama, obrigatório para quem anda nesta vida. É desse jogo, das conversas picantes com as ouvintes da Rádio Seixal, do fã a quem quis bater, que nos fala. Apresentamos Rui Unas, o verdadeiro, o único, sem câmaras a filmar. Mas com alguns vestígios do "ganda maluco".
Dizias no teu blogue que estavas com "um cagaço do caraças" deste regresso à televisão. Tens medo de quê?
É aquele receio: será que ainda sei andar de bicicleta? Com o "Cabaret da Coxa" não houve ciência: a personagem criou-se espontaneamente. Neste programa - que também é um talk show com convidados - tenho de me reinventar. Era fácil recorrer às mesmas bengalas, mas não me apetece ser aquela figura. Portanto é o medo do desconhecido. Não sei que persona vai sair dali, que tipo de programa vai ser.
Que andaste a fazer neste tempo que estiveste afastado da apresentação?
Fiz um filme em Espanha com o Diogo Morgado, uma peça de teatro, novelas como actor secundário... "Podia Acabar o Mundo", por exemplo.
E a "Floribella"...
Aprendo sempre qualquer coisa. Até na "Floribella". Não me identifico como espectador, mas aprendo. Mas a minha matriz é apresentação, é disso que gosto. Não digo que não gosto de fazer novelas. Agora não é o que gosto realmente de fazer.
Eras muito popular na SIC Radical, mas desapareceste quando passaste para a SIC generalista. Porquê?
Quando fazia o "Cabaret" sentia que as pessoas viam em mim grande potencial. O Francisco Penim [ex-director de programas] entendeu acabar com o programa e fez-me o convite para ser cara da estação. Sendo um dos seus soldados, tive de aceitar o convite.
Um soldado?
Sim, disse que me queria como soldado na frente de batalha. Assinei um contrato de dois anos com exclusividade. Foram dois anos muito conturbados. Não me sentia confortável com o primeiro projecto, "Pegar ou Largar", que não foi, de facto, um sucesso. Depois não tive mais nenhum grande projecto e acabei nas novelas. Foi aí que as coisas não correram como gostaria. Mas não há mágoa. Fiz o que as circunstâncias me obrigaram a fazer.
Durante esse hiato de televisão voltaste às origens, à rádio [Unas tem um programa na Antena 1]. Como começaste na Rádio Seixal?
Entrei lá depois de participar num concurso em directo. Quando o repórter me perguntou o que fazia, respondi: "Estudo, mas pode considerar-me seu colega porque faço rádio na escola." No fim o gajo deixou-me um cartão e disse-me para ir fazer uns testes à rádio. Passado uma semana estava lá a estagiar. Aconteceu tudo por acaso.
Não tinhas vocação de comunicador?
Se não fosse o concurso, hoje seria fisioterapeuta ou enfermeiro, que era para onde estava virado. Mas sim, havia alguma vocação. Já aos 14 anos tinha a mania de fazer rádio ao microfone do autocarro no trajecto até à Fonte da Telha. Era a Rádio Cueca.
O que fazias na Rádio Seixal?
Fiz de tudo: discos pedidos, madrugadas... Adquiri uma cultura musical... diferente. Na altura a rádio era ainda mais popular. Passavam muita brasileirada, mas daquela nordestina de gosto duvidoso. A minha primeira entrevista foi com os Broa de Mel e eu tremia que nem varas verdes... Para entrevistar os Broa de Mel, vê lá tu!
Pois...
Respeito muito as rádios locais, mas é um universo com o qual hoje não me identifico nada. Na altura sentia-me importante e o meu sonho era passar à rádio nacional. Cheguei a fazer testes para a Renascença e passei nos castings, mas na entrevista com a senhora dos recursos humanos disse que não era católico e não voltei a ser chamado.
As ouvintes do Seixal se calhar agradeceram. Fala-nos lá dessas madrugadas a receber chamadas.
Era muito divertido para um miúdo de 19 anos ter conversas picantes com senhoras de 40, 50 anos. Eu tinha voz de cama e houve conversas indescritíveis com senhoras bem mais velhas. O programa chamava-se "Cocktail Fora de Horas". Ainda durou quase um ano.
Deu para conhecer alguma senhora?
Cheguei a encontrar-me com uma ouvinte. Ela ia à rádio receber um prémio e eu todo contente porque ia conhecê-la. Só que o pior que podia acontecer aconteceu. A senhora, coitada, era muito feia, estrábica e coxa - mas tinha uma voz maravilhosa. Quando entreguei o prémio ela perguntou-me se era o Rui Unas. Respondi que não, não era.
É por essa altura que vais ao "Noite de Sonho", o programa da Catarina Furtado na RTP?
Pois, viste isso? Há imagens no You Tube [ver para crer: pesquise no YouTube: "rui unas noite de sonho"]. Já fiz o meu harakiri. É fabuloso. Ainda não consigo ver aquilo do princípio ao fim.
O que te passa pela cabeça quando vês aquele Rui Unas?
É um misto de emoções. Vergonha é uma delas... Mas, como disse, já fiz o meu harakiri: fui eu próprio que parodiei isso na televisão e na internet.
Antecipaste paródias alheias.
Exactamente. Mas, explicando, na altura tinha um grupo de teatro e o professor empurrou-me para o programa. Lá fizemos o casting e fomos aceites... Olho para aquilo hoje e é outra pessoa que lá está, não me identifico nada. É uma pessoa parecida comigo, com risquinho ao lado. Não há palavras para descrever...
Renegas aquele passado?
Não. Era eu. Faz parte do processo de crescimento e é uma esperança para aqueles que são assim: é possível deixarem de o ser [risos]. Era muito atrofiado. Aquilo é o paradigma de tipos que hoje ironizo. Muito estranho [mais risos]. Mas pouco a pouco vou fazendo as pazes com esse meu passado.
Ao menos ganhaste alguma coisa?
O propósito daquilo era ter uma noite de sonho. Uns queriam ser estilistas, outros bailarinos e a produção fazia tudo para que o objectivo se concretizasse. Nós queríamos fazer um espectáculo de mímica com as condições todas de luzes, cenário, etc. E fizemos.
Essa parte não está no YouTube.
Graças a Deus! Ainda estou à espera que a pessoa que tem o registo inteiro me faça um telefonema a chantagear.
Se dúvidas houvesse, foi a machadada final: o Rui Unas não tem nada de "ganda maluco", apesar do papel a que nos habituaste na televisão?
Já houve mais esse equívoco. Na altura do "Cabaret" viam-me com mulheres nuas no cenário, um papagaio que dizia asneiras e achavam: "Este gajo é um ganda maluco." Durante muito tempo ficava incomodado com isso, achava redutor. Mas depois fiz as pazes com a expressão e acho que as pessoas perceberam que aquilo era uma persona.
És mais o Rui Unas do programa da Catarina Furtado ou o Rui Unas do "Cabaret da Coxa"?
Na essência, ainda sou um bocadinho esse Rui Unas do programa da Catarina Furtado. Não tão atrofiado - porque na altura era mesmo atrofiado -, mas sou muito bem-comportado. Não sou um party-animal, não gosto de sair até às tantas ou apanhar pielas. Gosto de ter sempre o controlo da situação. Aparentemente perco as estribeiras na televisão, mas até isso é uma aparência. É a minha oportunidade de extravasar. Canalizo toda a rebeldia e transgressão para a televisão.
O que fazes quando te desafiam para uma bebida à noite?
Finjo que bebo. Quando me oferecem charros, digo que não e ficam ofendidos. Acham que sou uma fraude. "Então afinal o gajo é careta?" Pá, é a verdade. Ainda ontem fui a uma festa e ficaram todos muito surpreendidos. Faço parte daquela ínfima percentagem do meio artístico que não se estica nesses aspectos. Sou uma anormalidade neste meio.
Não havia nada de genuíno na personagem? Nem as piadas de teor sexual?
Sou muito desempoeirado a nível sexual, mas não sou tão hard core como me vendia no "Cabaret". Não sou o gajo que gosta das algemas, mas sou liberal. Havia um rastilho que no programa foi muito potenciado. Era uma caricatura.
Disseste numa crónica que o "Cabaret da Coxa" revolucionou...
[interrompe] Se disse isso, fui pretensioso. Foi uma revoluçãozinha. Rompemos barreiras, foi o primeiro programa a aparece com linguagem mais desbragada. No início era difícil convencer convidados a irem lá - tinha um papagaio a dizer asneiras, todo aquele bas-fond... Foi o primeiro programa em directo com bolinha.
E um humor muito caustico.
Gosto de humor negro. É o meu bom senso que impõe limites. O Rui Sinel de Cordes é o mais hard core dos humoristas portugueses e gosto de algumas coisas que ele faz, mas não sou completamente fã. Agora acho que tem de haver alguém a ir por esses caminhos. Eu tenho alguns pruridos, mesmo assim falei de coisas que ninguém falava.
De que humor és mesmo fã?
Achava piada aos Contemporâneos. Mas o Johny Carson, o primeiro apresentador do "Tonight Show", foi de facto o maior. É o pai do talk show. O bom humor é o que daqui a 20 anos nos vai continuar a fazer rir. Também gosto do Ricky Gervais e do "Curb Your Enthusiasm".
E televisão portuguesa, o que gostas de ver?
Vejo pouquíssima. Sou daquele público que escolhe o quer ver: gravo e depois vejo. Não me revejo na produção nacional.
Apresentavas o "Ídolos" ou o "Achas Que Sabes Dançar"?
Sim. Os apresentadores não são as estrelas. Seria um formato que faria, mas não iria brilhar.
Começaste a trabalhar em televisão numa área improvável. Foste jornalista do "Acontece", num registo sério.
Sim, estava na rádio e fui fazer um curso de locução e apresentação na ETIC. O Carlos Pinto Coelho, que era lá professor, convidou-me para ir estagiar ao "Acontece". Estive lá um ano a fazer reportagens sérias, peças culturais, sempre sob a batuta do Carlos Pinto Coelho, que é muito exigente. Aprendi muito, ele era bastante criterioso. Foi marcante e uma excelente escola, apesar de ter ido depois para o lado negro da força fazer disparates.
Como é que surgiu a ideia de criares o "Curto Circuito"?
A minha produtora, a Sigma 3, fez dois programas para a RTP - "O Alta Voltagem" e o "Sub 26". Quando o Graça Bau lançou o CNL, fez-nos o convite para criar um programa, com uma única condição: que fosse interdito a cotas. Mesmo assim, ipsis verbis. O CNL acabou e o "Curto Circuito" passou depois para a SIC Radical. E passados dez anos continua.
E estás ligado ao programa?
Não. Sou sócio da Sigma 3, mas não tenho participação activa. Acompanho e dou umas dicas.
Fazias dupla com quem na apresentação?
Rita Mendes ou [Fernando] Alvim. Tinha uma relação palhaço rico-palhaço pobre com o Alvim - eu era o rico. Uma relação quase amor-ódio, mas que funcionava bem. Foi um dos momentos áureos do programa [interrompe e pede para atender o telefone].
...
Entrevistas por causa de umas dobragens que fiz num filme ["A Ilha do Impy"]. Uma coisa que não dá muito dinheiro, mas gosto de fazer.
Então onde se ganha dinheiro nesta área?
Depende. Os apresentadores ganham muito com as mais- -valias provenientes da sua exposição. Podem lucrar bastante em espectáculos, festas, conferências. Há aí um conjunto de actores que ganham muito só por ir aos fins-de-semana às discotecas beber um copo. São as presenças.
Não fazes?
Já cheguei a fazer, mas não me sinto confortável. A minha agente diz que tenho de deixar de ser bicho do mato. Não gosto do ambiente das festas do croquete, acho que há ali muita hipocrisia, pessoas que fingem ser muito amigas e mal se conhecem, poses para a fotografia... Sinto-me desconfortável, mas tenho noção que perco com isso.
Porquê?
Não me fazia mal aparecer de vez em quando, mostrar que estou vivo. Choveriam mais convites. E se me oferecerem muito dinheiro para ir a uma festa até me sinto mal se ficar em casa. Quer dizer, não estou a fazer nada e vou recusar ir duas ou três horas a um bar limpar uns trocos?
Estamos a falar de que valores, mais ou menos?
Não sei qual é o meu valor de mercado actualmente, mas sei que se pode ganhar 250 euros ou mil euros. Tem a ver com o estatuto de cada um: a Diana Chaves de certeza que recebe mais que um actor secundário dos "Morangos com Açúcar". Mas imagino que para um puto dos "Morangos com Açúcar" que goste de noite seja maravilhoso receber 250 euros por ir a uma discoteca.
Mudando de assunto, a tua mulher é panamiana. Onde a conheceste?
Temos o momento em que nos conhecemos registado em duas câmaras. Estávamos os dois, ao mesmo tempo, a fazer uma reportagem num festival no Panamá e entrevistámo-nos. Depois trocámos emails, fui lá, ela veio cá, decidimos que era coisa para durar e estamos casados há quase sete anos. E temos um filho, com três anos. Portanto tenho isso a agradecer à televisão.
Alguma vez tiveste fãs apaixonadas por ti?
Não. E nunca me orientei com uma fã. Tinha sempre aquela sensação que estava a tomar partido da minha posição mediática. É complicado. A maior parte das minhas namoradas africanas nem sabiam quem eu era.
Pois. És um apaixonado pela cultura africana.
Sim, aconteceu por acaso. Fui convidado para passar uma temporada em Cabo Verde e apaixonei-me pela cultura do país. Quando vim para cá, comecei a frequentar sítios africanos e a ter namoradas africanas. Hoje está muito na moda a kizomba, mas na altura era uma minoria étnica. Era o único branco nas discotecas africanas.
Continuas a ir a esses sítios?
Quando saio gosto muito mais de ir a uma discoteca africana do que a uma ocidental. O ambiente é mais saudável, os africanos não precisam de beber muito para se divertirem. E, curiosamente, chateiam-me muito menos. São muito mais educados.
Já foste insultado?
Só uma vez é que estive quase a perder as estribeiras. Foi no Festival do Sudoeste: vejo um tipo lá em baixo que me chama e mostra o dedo do meio. Continuei a ver o concerto. Ele volta a chamar-me e mostra-me o rabo. Saltei da bancada, fui a correr e dei-lhe um caldo. Se ele fizesse qualquer coisa, acho que ia para cima dele. Só que apercebi-me que estava muito intoxicado e se lhe desse um empurrão estatelava-se. Não dizia coisa com coisa. Virei as costas.
Para terminar, és um utilizador assíduo do Twitter.
Sim, e sou um pouco irresponsável nos comentários. Mas na verdade não tenho nenhum estatuto a defender. É a vantagem de fazer o que faço. O Cavaco não pode dizer as coisas que eu digo. Se calhar até gostava, mas não pode. Comigo as pessoas pensam: "Ah, é o Rui Unas, lá está ele com as maluquices dele."
O talkshow "Última Ceia" começa quinta-feira, às 23h35, na SIC Radical. O concurso "Caça ao Cómico" passa todas as quintas, às 22h45, no Q
Dizias no teu blogue que estavas com "um cagaço do caraças" deste regresso à televisão. Tens medo de quê?
É aquele receio: será que ainda sei andar de bicicleta? Com o "Cabaret da Coxa" não houve ciência: a personagem criou-se espontaneamente. Neste programa - que também é um talk show com convidados - tenho de me reinventar. Era fácil recorrer às mesmas bengalas, mas não me apetece ser aquela figura. Portanto é o medo do desconhecido. Não sei que persona vai sair dali, que tipo de programa vai ser.
Que andaste a fazer neste tempo que estiveste afastado da apresentação?
Fiz um filme em Espanha com o Diogo Morgado, uma peça de teatro, novelas como actor secundário... "Podia Acabar o Mundo", por exemplo.
E a "Floribella"...
Aprendo sempre qualquer coisa. Até na "Floribella". Não me identifico como espectador, mas aprendo. Mas a minha matriz é apresentação, é disso que gosto. Não digo que não gosto de fazer novelas. Agora não é o que gosto realmente de fazer.
Eras muito popular na SIC Radical, mas desapareceste quando passaste para a SIC generalista. Porquê?
Quando fazia o "Cabaret" sentia que as pessoas viam em mim grande potencial. O Francisco Penim [ex-director de programas] entendeu acabar com o programa e fez-me o convite para ser cara da estação. Sendo um dos seus soldados, tive de aceitar o convite.
Um soldado?
Sim, disse que me queria como soldado na frente de batalha. Assinei um contrato de dois anos com exclusividade. Foram dois anos muito conturbados. Não me sentia confortável com o primeiro projecto, "Pegar ou Largar", que não foi, de facto, um sucesso. Depois não tive mais nenhum grande projecto e acabei nas novelas. Foi aí que as coisas não correram como gostaria. Mas não há mágoa. Fiz o que as circunstâncias me obrigaram a fazer.
Durante esse hiato de televisão voltaste às origens, à rádio [Unas tem um programa na Antena 1]. Como começaste na Rádio Seixal?
Entrei lá depois de participar num concurso em directo. Quando o repórter me perguntou o que fazia, respondi: "Estudo, mas pode considerar-me seu colega porque faço rádio na escola." No fim o gajo deixou-me um cartão e disse-me para ir fazer uns testes à rádio. Passado uma semana estava lá a estagiar. Aconteceu tudo por acaso.
Não tinhas vocação de comunicador?
Se não fosse o concurso, hoje seria fisioterapeuta ou enfermeiro, que era para onde estava virado. Mas sim, havia alguma vocação. Já aos 14 anos tinha a mania de fazer rádio ao microfone do autocarro no trajecto até à Fonte da Telha. Era a Rádio Cueca.
O que fazias na Rádio Seixal?
Fiz de tudo: discos pedidos, madrugadas... Adquiri uma cultura musical... diferente. Na altura a rádio era ainda mais popular. Passavam muita brasileirada, mas daquela nordestina de gosto duvidoso. A minha primeira entrevista foi com os Broa de Mel e eu tremia que nem varas verdes... Para entrevistar os Broa de Mel, vê lá tu!
Pois...
Respeito muito as rádios locais, mas é um universo com o qual hoje não me identifico nada. Na altura sentia-me importante e o meu sonho era passar à rádio nacional. Cheguei a fazer testes para a Renascença e passei nos castings, mas na entrevista com a senhora dos recursos humanos disse que não era católico e não voltei a ser chamado.
As ouvintes do Seixal se calhar agradeceram. Fala-nos lá dessas madrugadas a receber chamadas.
Era muito divertido para um miúdo de 19 anos ter conversas picantes com senhoras de 40, 50 anos. Eu tinha voz de cama e houve conversas indescritíveis com senhoras bem mais velhas. O programa chamava-se "Cocktail Fora de Horas". Ainda durou quase um ano.
Deu para conhecer alguma senhora?
Cheguei a encontrar-me com uma ouvinte. Ela ia à rádio receber um prémio e eu todo contente porque ia conhecê-la. Só que o pior que podia acontecer aconteceu. A senhora, coitada, era muito feia, estrábica e coxa - mas tinha uma voz maravilhosa. Quando entreguei o prémio ela perguntou-me se era o Rui Unas. Respondi que não, não era.
É por essa altura que vais ao "Noite de Sonho", o programa da Catarina Furtado na RTP?
Pois, viste isso? Há imagens no You Tube [ver para crer: pesquise no YouTube: "rui unas noite de sonho"]. Já fiz o meu harakiri. É fabuloso. Ainda não consigo ver aquilo do princípio ao fim.
O que te passa pela cabeça quando vês aquele Rui Unas?
É um misto de emoções. Vergonha é uma delas... Mas, como disse, já fiz o meu harakiri: fui eu próprio que parodiei isso na televisão e na internet.
Antecipaste paródias alheias.
Exactamente. Mas, explicando, na altura tinha um grupo de teatro e o professor empurrou-me para o programa. Lá fizemos o casting e fomos aceites... Olho para aquilo hoje e é outra pessoa que lá está, não me identifico nada. É uma pessoa parecida comigo, com risquinho ao lado. Não há palavras para descrever...
Renegas aquele passado?
Não. Era eu. Faz parte do processo de crescimento e é uma esperança para aqueles que são assim: é possível deixarem de o ser [risos]. Era muito atrofiado. Aquilo é o paradigma de tipos que hoje ironizo. Muito estranho [mais risos]. Mas pouco a pouco vou fazendo as pazes com esse meu passado.
Ao menos ganhaste alguma coisa?
O propósito daquilo era ter uma noite de sonho. Uns queriam ser estilistas, outros bailarinos e a produção fazia tudo para que o objectivo se concretizasse. Nós queríamos fazer um espectáculo de mímica com as condições todas de luzes, cenário, etc. E fizemos.
Essa parte não está no YouTube.
Graças a Deus! Ainda estou à espera que a pessoa que tem o registo inteiro me faça um telefonema a chantagear.
Se dúvidas houvesse, foi a machadada final: o Rui Unas não tem nada de "ganda maluco", apesar do papel a que nos habituaste na televisão?
Já houve mais esse equívoco. Na altura do "Cabaret" viam-me com mulheres nuas no cenário, um papagaio que dizia asneiras e achavam: "Este gajo é um ganda maluco." Durante muito tempo ficava incomodado com isso, achava redutor. Mas depois fiz as pazes com a expressão e acho que as pessoas perceberam que aquilo era uma persona.
És mais o Rui Unas do programa da Catarina Furtado ou o Rui Unas do "Cabaret da Coxa"?
Na essência, ainda sou um bocadinho esse Rui Unas do programa da Catarina Furtado. Não tão atrofiado - porque na altura era mesmo atrofiado -, mas sou muito bem-comportado. Não sou um party-animal, não gosto de sair até às tantas ou apanhar pielas. Gosto de ter sempre o controlo da situação. Aparentemente perco as estribeiras na televisão, mas até isso é uma aparência. É a minha oportunidade de extravasar. Canalizo toda a rebeldia e transgressão para a televisão.
O que fazes quando te desafiam para uma bebida à noite?
Finjo que bebo. Quando me oferecem charros, digo que não e ficam ofendidos. Acham que sou uma fraude. "Então afinal o gajo é careta?" Pá, é a verdade. Ainda ontem fui a uma festa e ficaram todos muito surpreendidos. Faço parte daquela ínfima percentagem do meio artístico que não se estica nesses aspectos. Sou uma anormalidade neste meio.
Não havia nada de genuíno na personagem? Nem as piadas de teor sexual?
Sou muito desempoeirado a nível sexual, mas não sou tão hard core como me vendia no "Cabaret". Não sou o gajo que gosta das algemas, mas sou liberal. Havia um rastilho que no programa foi muito potenciado. Era uma caricatura.
Disseste numa crónica que o "Cabaret da Coxa" revolucionou...
[interrompe] Se disse isso, fui pretensioso. Foi uma revoluçãozinha. Rompemos barreiras, foi o primeiro programa a aparece com linguagem mais desbragada. No início era difícil convencer convidados a irem lá - tinha um papagaio a dizer asneiras, todo aquele bas-fond... Foi o primeiro programa em directo com bolinha.
E um humor muito caustico.
Gosto de humor negro. É o meu bom senso que impõe limites. O Rui Sinel de Cordes é o mais hard core dos humoristas portugueses e gosto de algumas coisas que ele faz, mas não sou completamente fã. Agora acho que tem de haver alguém a ir por esses caminhos. Eu tenho alguns pruridos, mesmo assim falei de coisas que ninguém falava.
De que humor és mesmo fã?
Achava piada aos Contemporâneos. Mas o Johny Carson, o primeiro apresentador do "Tonight Show", foi de facto o maior. É o pai do talk show. O bom humor é o que daqui a 20 anos nos vai continuar a fazer rir. Também gosto do Ricky Gervais e do "Curb Your Enthusiasm".
E televisão portuguesa, o que gostas de ver?
Vejo pouquíssima. Sou daquele público que escolhe o quer ver: gravo e depois vejo. Não me revejo na produção nacional.
Apresentavas o "Ídolos" ou o "Achas Que Sabes Dançar"?
Sim. Os apresentadores não são as estrelas. Seria um formato que faria, mas não iria brilhar.
Começaste a trabalhar em televisão numa área improvável. Foste jornalista do "Acontece", num registo sério.
Sim, estava na rádio e fui fazer um curso de locução e apresentação na ETIC. O Carlos Pinto Coelho, que era lá professor, convidou-me para ir estagiar ao "Acontece". Estive lá um ano a fazer reportagens sérias, peças culturais, sempre sob a batuta do Carlos Pinto Coelho, que é muito exigente. Aprendi muito, ele era bastante criterioso. Foi marcante e uma excelente escola, apesar de ter ido depois para o lado negro da força fazer disparates.
Como é que surgiu a ideia de criares o "Curto Circuito"?
A minha produtora, a Sigma 3, fez dois programas para a RTP - "O Alta Voltagem" e o "Sub 26". Quando o Graça Bau lançou o CNL, fez-nos o convite para criar um programa, com uma única condição: que fosse interdito a cotas. Mesmo assim, ipsis verbis. O CNL acabou e o "Curto Circuito" passou depois para a SIC Radical. E passados dez anos continua.
E estás ligado ao programa?
Não. Sou sócio da Sigma 3, mas não tenho participação activa. Acompanho e dou umas dicas.
Fazias dupla com quem na apresentação?
Rita Mendes ou [Fernando] Alvim. Tinha uma relação palhaço rico-palhaço pobre com o Alvim - eu era o rico. Uma relação quase amor-ódio, mas que funcionava bem. Foi um dos momentos áureos do programa [interrompe e pede para atender o telefone].
...
Entrevistas por causa de umas dobragens que fiz num filme ["A Ilha do Impy"]. Uma coisa que não dá muito dinheiro, mas gosto de fazer.
Então onde se ganha dinheiro nesta área?
Depende. Os apresentadores ganham muito com as mais- -valias provenientes da sua exposição. Podem lucrar bastante em espectáculos, festas, conferências. Há aí um conjunto de actores que ganham muito só por ir aos fins-de-semana às discotecas beber um copo. São as presenças.
Não fazes?
Já cheguei a fazer, mas não me sinto confortável. A minha agente diz que tenho de deixar de ser bicho do mato. Não gosto do ambiente das festas do croquete, acho que há ali muita hipocrisia, pessoas que fingem ser muito amigas e mal se conhecem, poses para a fotografia... Sinto-me desconfortável, mas tenho noção que perco com isso.
Porquê?
Não me fazia mal aparecer de vez em quando, mostrar que estou vivo. Choveriam mais convites. E se me oferecerem muito dinheiro para ir a uma festa até me sinto mal se ficar em casa. Quer dizer, não estou a fazer nada e vou recusar ir duas ou três horas a um bar limpar uns trocos?
Estamos a falar de que valores, mais ou menos?
Não sei qual é o meu valor de mercado actualmente, mas sei que se pode ganhar 250 euros ou mil euros. Tem a ver com o estatuto de cada um: a Diana Chaves de certeza que recebe mais que um actor secundário dos "Morangos com Açúcar". Mas imagino que para um puto dos "Morangos com Açúcar" que goste de noite seja maravilhoso receber 250 euros por ir a uma discoteca.
Mudando de assunto, a tua mulher é panamiana. Onde a conheceste?
Temos o momento em que nos conhecemos registado em duas câmaras. Estávamos os dois, ao mesmo tempo, a fazer uma reportagem num festival no Panamá e entrevistámo-nos. Depois trocámos emails, fui lá, ela veio cá, decidimos que era coisa para durar e estamos casados há quase sete anos. E temos um filho, com três anos. Portanto tenho isso a agradecer à televisão.
Alguma vez tiveste fãs apaixonadas por ti?
Não. E nunca me orientei com uma fã. Tinha sempre aquela sensação que estava a tomar partido da minha posição mediática. É complicado. A maior parte das minhas namoradas africanas nem sabiam quem eu era.
Pois. És um apaixonado pela cultura africana.
Sim, aconteceu por acaso. Fui convidado para passar uma temporada em Cabo Verde e apaixonei-me pela cultura do país. Quando vim para cá, comecei a frequentar sítios africanos e a ter namoradas africanas. Hoje está muito na moda a kizomba, mas na altura era uma minoria étnica. Era o único branco nas discotecas africanas.
Continuas a ir a esses sítios?
Quando saio gosto muito mais de ir a uma discoteca africana do que a uma ocidental. O ambiente é mais saudável, os africanos não precisam de beber muito para se divertirem. E, curiosamente, chateiam-me muito menos. São muito mais educados.
Já foste insultado?
Só uma vez é que estive quase a perder as estribeiras. Foi no Festival do Sudoeste: vejo um tipo lá em baixo que me chama e mostra o dedo do meio. Continuei a ver o concerto. Ele volta a chamar-me e mostra-me o rabo. Saltei da bancada, fui a correr e dei-lhe um caldo. Se ele fizesse qualquer coisa, acho que ia para cima dele. Só que apercebi-me que estava muito intoxicado e se lhe desse um empurrão estatelava-se. Não dizia coisa com coisa. Virei as costas.
Para terminar, és um utilizador assíduo do Twitter.
Sim, e sou um pouco irresponsável nos comentários. Mas na verdade não tenho nenhum estatuto a defender. É a vantagem de fazer o que faço. O Cavaco não pode dizer as coisas que eu digo. Se calhar até gostava, mas não pode. Comigo as pessoas pensam: "Ah, é o Rui Unas, lá está ele com as maluquices dele."
O talkshow "Última Ceia" começa quinta-feira, às 23h35, na SIC Radical. O concurso "Caça ao Cómico" passa todas as quintas, às 22h45, no Q
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