Um Café com Aguinaldo Silva

Descobriu Portugal em 1997 e nunca mais se desligou do país. Em Lisboa, o conceituado guionista brasileiro está a colaborar no mais recente projecto da SIC.
A SIC estreia em Setembro "Laços de sangue", a primeira telenovela portuguesa "supervisionada" por um guionista brasileiro. Aguinaldo Silva, autor de sucessos históricos como "Roque santeiro" e "Tieta", falou ao JN.
O guião de "Laços de sangue" já foi concluído?
Não. Existia uma sinopse e começámos a trabalhar sobre ela, fazendo alterações.
Está a "supervisionar o guião". Que significa isso?
A expressão não é a mais apropriada. Faço um aconselhamento, quer dizer, participo nas reuniões de criação, dou as minhas opiniões sobre as tramas e o desenvolvimento das histórias…
… e sugere modificações.
Sim, claro. O que não faço é escrever, mas nós funcionamos como um grupo de criação. Evidentemente, como tenho uma experiência grande em escrever novelas, procuro passar a experiência.
Nada do que vai surgir do enredo da história é seu?
Nada. A orientação é sobre o que já estão planeando e escrevendo. Alguns rumos da história eu procuro orientar, mas é um trabalho muito subtil e delicado, pois a novela é deles.
Gosta da história?
Quando a li primeiro (ainda no Brasil), achei que precisava de ser alterada em vários pontos. Então, na primeira reunião que tivemos cá, falei o que achava que deveria ser alterado. Uma alteração básica foi a caracterização das irmãs protagonistas: uma boa e outra má.
Foi sugestão sua?
Foi. Logo no princípio, disse que tinha de ser feito e eles embarcaram na hora. Esse trabalho não pode acontecer sem a adesão total dos roteiristas, porque se não aceitam a minha participação ou acham que é excessiva, então não dá. E já vamos no episódio 55.
Terá quantos episódios, a novela?
Estão previstos 180. E realmente a história tomou rumos bastante interessantes. Confesso que estou muito curioso de ver a novela; é realista, mas de um realismo bem português. Os telespectadores vão reconhecer imediatamente, porque fala de temas actuais, de problemas e questões dos portugueses.
Problemas que são mundiais…
No entanto, cada país vive-os de modo muito peculiar: é o que torna a crise nacional. A novela vai falar de desemprego, de falta de oportunidades, das relações cada vez mais complicadas entre pais e filhos. É muito em cima das relações familiares - a novela tem de ser sempre sobre relações familiares, é o que faz o telespectador identificar-se com aquele universo. É aí que se reconhece.
Acredita que a família ainda é o paradigma de um bom folhetim?
Acho que sim. A família é o começo de tudo. É muito importante que as novelas não falem da desagregação familiar, mas sim da necessidade de manter as relações de família.
Em "Laços de sangue", veremos isso?
Um pouco. É a história de duas irmãs que se separam na infância e uma sente que foi injustiçada porque foi deixada para trás, que foi espoliada pela outra. Ela tem um projecto de vingança e reaproxima-se da família sem se identificar (ela é a criança que se perdeu), para se vingar. Aos poucos, vai vendo que, na verdade, pertence àquele grupo familiar.
A novela já tem final?
Não. Falamos sobre isso, mas a grande vantagem da novela é ser uma obra aberta, em processo. Embora com metas, nem sempre termina como você planejou. O interessante é isso.
Vê telenovelas portuguesas?
Sim, vejo. "Perfeito coração", por exemplo, achei muito boa. Um dos problemas das novelas portuguesas é que são urbanas e contemporâneas, logo podiam passar-se em qualquer lugar. Acho que falta na novela portuguesa mais caracterização portuguesa.
Qual o segredo da novela?
Digo sempre que a novela é uma grande fofoca: é como se fossem os seus vizinhos, ali, vivendo as histórias mais incríveis em torno de você, o telespectador. Você vive no meio daquele universo. O segredo da novela é ela tornar-se íntima do espectador. Para isso ela tem de ser nacional.
O que sugere para melhorar os guiões das novelas portuguesas?
É complicado, pois os portugueses têm características muito próprias. O Brasil é um país muito derramado, as emoções são todas muito exageradas; os portugueses são mais contidos. Ora, essa diferença merece ser mantida. Mas a verdade é que eu sinto falta de melodrama nas novelas portuguesas.

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