Como está a ser o regresso à televisão?
Estou a gostar deste regresso, sobretudo com esta equipa.
Quantas pessoas integram o elenco?
Somos muitos, ainda não os conheço a todos. Isto vai ser giro, eu e a Rita [Blanco] fazemos um casal, há a irmã dela, a Maria João Abreu, que é uma psicóloga tarada, temos o pai destas duas irmãs, o Vitor Espadinha, o namorado com quem ela está prestes a casar mas nunca consegue porque o dinheiro que o namorado junta eu invisto.
Num esquema?
Não é esquema. É um grande negócio! Só que nem todos vão para a frente... Eu tenho uma filha e um filho, que levou uma mocada na cabeça e não tem o cérebro todo a funcionar. É meu filho, gosto muito dele, mas é a verdade. Depois há um ex-namorado... é fazer as contas!
Vai ser o chefe de uma família meio disfuncional?
Meio, não. Completamente disfuncional, vamos esclarecer as coisas! Mas sou o chefe de família no sentido em que sou responsável por trazer os proventos que sustentam a família toda, daí ser aldrabão. E tenho que me atirar para a frente com projectos novos e arriscados e cada vez mais absurdos e ruinosos.
O que podemos esperar deste novo papel?
Isto é uma adaptação de uma série espanhola, o que é bom, porque à partida já foi testada e as pessoas que estão a adaptar e a traduzir podem melhorar o que houver a melhorar, aproveitar e aprender com os erros que eles cometeram. Vi uns episódios do formato espanhol porque, já que existe, é mais fácil do que falarmos. Mas vou fazer um profundo português. É um tipo muito positivo, um grande aldrabão.
E quantos episódios vão ser?
Cerca de 70. Vamos estar no ar até Maio ou Junho.
Está a ser um projecto interessante?
Eu acho que sim, mas depois o público é que manda nestas coisas. Principalmente sendo algo de comédia. Ou as pessoas se divertem ou não, e esperamos que se divirtam.
Já tinha trabalhado com a Rita Blanco?
Já, há 20 anos. Em teatro, que fizemos em 1989, 90. Não me lembro de ter trabalhado com ela noutras coisas com regularidade, mas tenho-a visto e gosto dela como pessoa e actriz, mas também do Marco Horácio. Fui conhecendo agora o Jorge Queiroga, o realizador, a SP [produtora] ja conhecia de outras aventuras, da ‘Conversa da Treta' (CT), que foi com eles que fizemos, até por escolha nossa, porque ouvíamos dizer que tratavam muito bem as pessoas, e confirmou-se.
Para além de ver a série original, como é que se preparou para este papel?
Ainda vou preparar. E ando há 59 anos a ver aldrabões, portugueses e telejornais. Não tive tempo e nem acho que seja necessário. Estes dias de ensaio servem para afinar quem são estas pessoas e a relação entre eles.
É uma adaptação espanhola, mas vamos ter uma farpa ao ‘desenrascanço' português?
Sim, porque no fundo somos todos latinos. Mas a minha ideia não é copiar, há portugueses que cheguem para inspiração. São os Godinhos desta vida, que fazem os negócios que deixam o país da maneira em que estamos. São aldrabões, mas tipos que ao mesmo tempo têm uma grande capacidade de desenrascanço e de fazer pela vida. Um aldrabão também precisa de comer!
Mas não será um Godinho da alta roda financeira?
Mas o Godinho é um sucateiro! Só que é um sucateiro que se dá com colegas dele, mas da alta finança. É um grande sucateiro, é o que eu quero ser!
Há autores portugueses suficientes para criar um projecto destes de raiz?
Já começa a haver, mas se calhar não há autores portugueses em número suficiente, ou com a qualidade suficiente, para alimentar todas as coisas que as cadeias de televisão hoje em dia precisam para produzir para o público que cada vez mais quer coisas portuguesas. Não vejo problema nenhum, pelo contrário, em adaptarmos. Se tivéssemos começado esta coisa das adaptações há 20 anos, se calhar já estavamos a vender muito mais para o estrangeiro.
Já vendemos novelas. É nos pequenos formatos que estamos emperrados?
Pois, porque se calhar não se dá tanta credibilidade, não se acredita tanto nos autores portugueses como já se podia, ou se calhar não há tantos assim como é necessário que haja. Isso não sei medir, porque também não estou muito por dentro, mas comparando com o teatro é a mesma coisa. Afinal, não havia tantos textos na gaveta como se dizia que havia há 30 anos, e isto são pescadinhas de rabo na boca: se não se faz muita produção, não há muita gente a trabalhar, na produção e em todos os campos, e não se vai elevando a qualidade, que também vem da prática.
Mas há um investimento maior das estações em produção nacional?
Vejo isso, até porque as pessoas na rua me falam disso, dizem-me que vêem muito mais telenovelas portuguesas, que já não querem as brasileiras.
Foi um produto que nunca o atraiu?
Já fiz, há muitos anos atrás. Mas entretanto comecei a fazer mais teatro e isso deu-me muito trabalho e tenho vivido bem sem fazer novelas. Até porque as telenovelas são o lado mais industrial da nossa profissão. E da maneira como se produz cá, tanto quanto sei daqueles anos, nós fazemos o dobro das cenas que fazem os brasileiros. Quem me disse isto foi a Betty Faria, que me disse que gravavam só 15 cenas, contra as nossas 30, só que têm muitas equipas a trabalhar em simultâneo e ao fim do dia dá o mesmo número de cenas que nós cá fazemos. É por isso que eles exportam para o mundo inteiro e nós... já exportamos muito mas se não gravássemos 30 cenas por dia veja lá!
Mas vê novelas?
Não. Tudo o que digo é teorico. No fundo não é, porque converso com os meus colegas, mas não tenho paciência, exige um investimento diário, porque a essa hora estou a trabalhar e por isso não me dedico.
Vê televisão?
Sim, à hora a que vêem os privilegiados, à uma da manhã, às duas da manhã, que é quando os programadores de televisão estão acordados - estão a programar para eles e eu gosto do que eles programam.
Assiste mais a séries ou fimes?
Vejo séries, mas confesso que ligo aquilo um bocado para embrutecer. É para adormecer, estou ali a ver bonecos. Mas gosto de ser bem enganado. Agora, quando estão ali a fingir que estão muito tristes já não gosto muito.
Chateia-o a má representação?
Chateia! Fico triste, e é por isso que muitas vezes não me meto a fazer coisas quando sei que não vou poder fazer um trabalho que me satisfaça. Se não me satisfaz a mim, também não vai satisfazer o público que vai ver.
(...)
Mas há espaço em Portugal para tantos actores?
Espero que sim, mas uma boa parte deles não são actores, como se vê depois. São umas carinhas larocas.
Da nova geração com quem já teve oportunidade de trabalhar, constata que estão mais ou menos preparados?
Tenho trabalhado com muito pouca gente nova, os mais novos têm para aí 30 e tal anos, e quando vou trabalhar com eles é porque já vi trabalhos deles, por isso é um bocado injusto. E o teatro é outra coisa.
Durante muito tempo, passou-se a ideia de que para ser actor bastava uma cara bonita e decorar um textos. Isso mudou?
Se calhar está a mudar um bocadinho mas, mesmo assim, ainda se chama actor e jornalista a uma quantidade de gente. O Carlos Castro jornalista? Mentira! Jornalista é outra coisa, não é um gajo que está em casa a ver umas coisas, vai a umas festas e escreve umas porcarias. Actor também não é uma pessoa que aparece a representar nalgumas coisas.
O regresso à televisão passaria sempre pelo registo de comédia, nunca pensou noutro?
Não. Nunca pus essa questao. O que tem acontecido é que o teatro não dá muito bem para conciliar e já tenho recusado trabalhos que gostaria de fazer. A verdade é que quando sou convidado para fazer coisas em televisão, é sempre "para a semana, ou daqui a 15 dias". E sendo eu freelancer, se não sei o que vou estar a fazer daqui a seis meses, arranjo. Até aqui tem-me sido mais fácil arranjar coisas para fazer no teatro, apesar de todas as dfificuldades. É uma área onde também encontrei uma produtora que tem feito as minhas coisas e com quem tenho um entendimento mais ou menos tácito de irmos trabalhando juntos.
Mas conseguiu fazer a ponte entre teatro e televisão, como foi o caso das ‘CT'.
Sim, mas nada disto foi projectado, porque quando se projecta alguma coisa em Portugal nunca acontece. O que foi pensado, na altura, era fazermos algo de montagem muito simples, porque eu e o António fizemos esse projecto para andar pelo país, para percebermos o que era o teatro no país nessa altura. Nunca foi pensado para a televisão, nem para o cinema, como acabámos por fazer. Mas felizmente aconteceu assim, e é uma sequência que até aconteceu com outras peças que entretanto fizemos.
E desta vez sente que teve tempo para se preparar?
Sim, depois de acabar o espectáculo que esteve em cena [‘Apanhados na Rede']. Até porque não gosto de fazer as duas coisas ao mesmo tempo, porque não consigo ter disponibilidade de cabeça para fazer as duas coisas e se me gasto de manhã e à tarde, chego à noite já um bocado cansado. Nunca gostei, não é só agora com a idade, que tenho mais dificuldade, fisicamente, de o fazer, é porque gosto de me dedicar inteiramente às coisas que estou a fazer. Neste caso só acumulei a última semana do espectáculo com as gravações e o que estava a fazer no teatro já ía em velocidade cruzeiro.
Há espaço em Portugal para uma sitcom diária e tirar o lugar aos ‘Malucos do Riso'?
Vamos ver. Mas os ‘Malucos' não são uma sitcom. Aqui, cada episódio tem uma história e há coisas que passam de um episódio para outro. Sitcoms estrangeiras há todos os dias com muito sucesso, pode haver uma portuguesa, não é?
E como é assite às constantes reposições de formatos como os ‘Malucos', ou ‘Maré Alta'?
É porque dá sempre. E se calhar precisam de mais produção e não têm, ou sai mais barato assim do que fazer mais, mas não sei.
Mas estamos de bom humor em Portugal?
Se calhar o humor é mais valorizado agora porque as pessoas andam de mau humor e só têm razões para isso. É uma forma de aliviar um bocado, de dourar a pílula, da coisa passar e vivermos um pouco melhor.
Faz-se bom humor em Portugal?
Sim.
Quais são os humoristas de gosta?
Eu, por exemplo (risos).
E para além de si?
Bem, eu nem sequer sou humorista. Já fiz coisas minhas com algum êxito, mas talvez o Bruno Nogueira, o Herman José... mas também não consumo muita televisão e há muitas coisas que não conheço. Há uns que não quero ver, e outros que não vejo mesmo. Mas os ‘Gato Fedorento' são uma referência que já conquistou o seu espaço.
E, da mesma forma que as ‘CT' resultaram na tv e teatro, eles resultavam em teatro fazendo o percurso inverso?
Acho que sim, se calhar nem todos os sketches que fizeram, porque o teatro tem outra espessura. Apesar de sermos o Zézé e Toni, aquilo tinha muito sumo, para quem quisesse espremer, tinha vários níveis de leitura, como têm os ‘Gato Fedorento'. Provavelmente eles é que não quiseram andar na estrada e estar meses em cena.
Portugal ainda tem sumo para dar ao humor?
Então não tem?! Se a gente quiser ver a coisa só pelo lado negativo, dá para tragédias que nunca mais acaba. Se não se quiser chatear, dá para rir à brava.
E isso é bom ou mau? Continuarmos a rir das nossas tragédias?
É bom. Vai haver uma altura em que nos fartamos de rir e começamos a atinar e fazer as coisas como deve de ser, porque as que fazemos como deve de ser nao têm chegado e a prova é que estamos como estamos. É um escape, como as anedotas sobre todas as desgraças, e alguma capacidade de afastamento e de brincarmos, e uma maneira de as criticar, também.
O humor ainda não perdeu essa vertente crítica?
Não, mas essa é para mim uma das vertentes mais interessantes do humor. Que, apesar de nos estarmos a rir, fique uma ideia que nos faz melhores.
E encontra essa particularidade no papel que está a preparar?
Espero que sim, porque eu vou ser um aldrabão, vou ter o Godinho como modelo.
Durante este tempo vai estar em exclusivo na SIC?
Sim.
Para além destes projectos, há mais alguma coisa entre mãos?
Não. Andamos à procura de uma peça para fazer a seguir ao Verão. Porque a a seguir ao Verão eu continuo a comer.
O desaparecimento do António Feio mudou alguma coisa na sua vida?
Tenho um bocadinho mais de medo de morrer. Antes do meu problema [sofreu um aneurisma cerebral há cinco anos], eu não tinha medo de morrer, nem pensava nisso. Mas, a partir dos 50 anos, começamos a pensar que vamos morrer. Já conhecemos o nosso corpo, e comecei a pensar que se calhar morro mesmo, e ainda tenho coisas para fazer, filhos para educar e apoiar, e não me apetecia nada.
O que é que ainda tem para fazer?
Uma quantidade de peças, que ainda nem sequer li, nem conheço.
E como é o processo para chegar até às peças?
Vamos vê-las a Londres ou Paris. Era até mais o António que ía, depois comecei a ir com ele. Esta [‘Apanhados na Rede'] encontrou o António e a produtora em Paris.
Ainda ficaram projectos em carteira escolhidos e pensados para os dois?
Não.
As ‘Conversas da Treta' morreram com o António Feio?
Agora sim. Então vou falar com quem? A não ser que apareça um filho do António. Mas isso é muito difícil de acontecer. Por uma questão sentimental, e porque exigia uma empatia que não é muito fácil de encontrar, nem sei se vou encontrar. Há colegas com quem gosto muito de trabalhar, mas não cheguei ainda com eles ao ponto a que cheguei com o António, porque a nossa empatia começou muito antes de começarmos sequer a trabalhar juntos.
Conheciam-se há quantos anos?
É fazer as contas! Em 1991, estreámos um teatro da Junta de Freguesia de Benfica. Nessa altura, já estávamos a trabalhar em dobragens, como colegas e depois com ele na direcção. Conversávamos muito sobre a vida e o teatro, aí estávamos a trabalhar em sítios diferentes, e decidimos começar a trabalhar juntos.
Para o público pode ser difícil entender aquela dupla com outros protagonistas?
Bem, aqui para nós, eu não morri, e preciso continuar. Mas naquilo é discutível.
(...)CM
Comentários
tenho medo que aconteça como cenas do casamento por exemplo, e que se torne num fracasso.