Escolheu a esplanada do último andar do Hotel do Chiado, em Lisboa, porque é um sítio que "tem horizonte, perspectiva, relevo e altos e baixos. Enfim, porque é como a vida", disse. Foi aqui que Daniel Oliveira, 30 anos, aceitou ser entrevistado pela Notícias TV em modo "alta definição". Sem maquilhagem e sem temas-tabu
Acha que vai chorar durante a entrevista?
Acho que não.
Porque não há assuntos que o emocionem ou consegue dominar as emoções?
Há muitas coisas que me emocionam, mas tenho um bom controlo sobre mim. Não sou homem de chorar, pelo menos nestes contextos.
Só quando está sozinho?
Também não. Não sou muito dado a carpir mágoas. Vejo sempre em cada problema uma oportunidade. E uma solução também.
Então nunca se emociona?
Emociono-me mais com coisas felizes. Fico mais vezes sensibilizado com um gesto, mas não quer dizer que esse gesto signifique dor.
Como por exemplo...
Como quando o meu primo, o Diogo Salomão, que jogava no Sporting no ano passado e agora está no Coruña, marcou o primeiro golo. Esse foi um momento de grande emoção, sim.
Para uma entrevista em Alta Definição ser boa é preciso os entrevistados chorarem?
Não! A Manuela Moura Guedes deu uma boa entrevista e não verteu uma lágrima. O Ruy de Carvalho e o Nicolau Breyner também. Não acho que seja... essencial. Relembrar determinados episódios leva à emoção, mas não há nenhum propósito nisso.
Então não se sente frustrado se os convidados não choram?
De todo (risos). O que quero é uma boa entrevista. Eu adequo-me ao entrevistado.
O programa vai fazer dois anos. O segredo do sucesso é o Daniel ou os convidados?
Os convidados. O sucesso tem muito que ver com a forma como se predispõem a revelar-se.
Vamos deixar a modéstia de parte... os convidados podem ajudar, mas o Daniel também contribui. Considera-se um menino prodígio por causa da sua ascensão?
Não sei... Prodígio? Acho que vou ter esse rótulo a vida toda, e nem o facto de ter 30 anos e fazer televisão há 14 vai mudar isso. Mas não tenho nenhum problema com isso. Obviamente que o sucesso do programa tem muito que ver com quem o concebeu e faz as entrevistas. Nunca me sinto superior ao meu entrevistado e isso tem valido bons programas.
Já recebeu negas? Alguém que dissesse "não estou para entrevistas intimistas"?
Há muitos convidados que não podem ir por força dos contratos laborais com outras estações.
Mas alguém recusou por não se sentir à vontade?
O Rui Unas, por exemplo, não se mostrou à vontade para isso e é absolutamente legítimo.
Não fica chateado?
Não, amigos como dantes. Nós estamos a fazer um convite e as pessoas têm duas opções. Agora... o estigma de ser uma coisa intimista... nós só entramos pelas portas que nos abrem e não há nenhuma pergunta que não seja consequência da resposta anterior ou que seja ostensiva e agressiva.
Já se surpreendeu com revelações que foram feitas?
Sim, com o João Ricardo, que confessou que tinha vivido na rua durante seis meses, que tinha sido homeless...
Não combina com os entrevistados os temas que vai tratar? Não lhes dá "dicas"?
Não só não combino como tento sempre, antes da entrevista, não conversar com eles.
Com medo de se descair?
Para que toda a energia seja canalizada para a conversa. Nunca combinei nenhum tema, nenhuma pergunta. Obviamente que as pessoas sabem a última, mas não mais do que isso.
O que o fascina é a comunicação no seu estado mais puro?
Fazer perguntas é um privilégio e acho que posso fazer disso a minha vida. As pessoas devem fazer aquilo em que se sentem bem e que lhes parece que fazem bem. E eu parece-me que faço isto bem. Comunicação é mais aquilo que ouvimos do que o que dizemos, e eu gosto de estar nesse papel de servir as pessoas.
Foi essa postura que já lhe deu vários prémios por O Regresso dos Incríveis com Cristiano Ronaldo? Ou foi o mediatismo do Ronaldo que influenciou?
Ajuda ser o Ronaldo. Diria que é mais de 50%. Mas nós não somos os únicos no mundo a fazer programas com ele.
Em Portugal são...
Em Portugal sim, mas os programas do resto do mundo não foram premiados e isso também tem que ver com a qualidade. Claro que nos deixa orgulhosos termos sido reconhecidos lá fora, quase sempre...
Cá dentro nem tanto...
Há uma frase que diz que ninguém é profeta na sua própria terra.
Isso deixa-o triste?
É-me absolutamente indiferente. Gostei que o programa tivesse ganho prémios, mas para o resultado do Alta Definição desta semana isso não me serve de nada. E é o programa seguinte que me preocupa.
Se o que o preocupa é o programa seguinte, para quê candidatá-los a prémios?
Nós candidatamos os programas a esses festivais de uma forma pessoal. Fui eu que paguei a inscrição, porque achei que os programas mereciam ter mundo, deveriam ser mostrados.
Facilitou ser amigo de muitos jogadores de futebol?
Isso é outro mito, é como fazer as pessoas chorar (pausa). Contam-se pelos dedos de uma mão os amigos futebolistas que eu tenho.
Mas consegue chegar a quase todos.
Acho que isso decorre muito do trabalho. Não tenho uma relação assim de tanta proximidade. Sou próximo do Nuno Gomes, de quem sou padrinho de casamento, ou o Jorge Andrade, que brincou comigo quando eu era miúdo.
Ou seja, ser amigo de uns ajudou-o a chegar a outros.
Ajudou no início. Ajudou a conhecer novos jogadores, por consequência. Mas também beneficiei de fazer programas ligados ao desporto, como o Viva 2004 [RTP].
Vê-se a fazer o Alta Definição até quando?
Não há nenhum programa que tenha ficado para sempre... Bem, o Telejornal, se calhar (risos). Não sei, não estou nos projectos de forma transitória. Enquanto fizer sentido em qualidade e resultados, não vejo porque não continuar. Mas vou querer sempre fazer entrevistas.
Em qualquer lado?
Não em qualquer lado. Com critério, mas fazer entrevistas.
Qual é o papel da SIC nesse campo? O que quero saber é qual é seu futuro no canal com esta direcção de programas?
Não sinto diferenças na execução prática do meu trabalho. O meu contrato com a SIC acaba em Janeiro e tenho um acordo de princípio com o Dr. Luís Marques para seguirmos juntos.
Mas está nos quadros da empresa ou é mais um português a recibos verdes?
Estou a recibos verdes. Com contrato. Mas tenho um acordo de princípio, não tenho razão para duvidar de que ele será cumprido e vou honrar aquilo com que me comprometi.
Não acha que pelas audiências e notoriedade que gera já devia estar nos quadros?
Não. Também não foi uma coisa que eu tenha procurado. Os quadros, aparentemente, são uma segurança. A minha segurança é o meu trabalho e a minha capacidade de trabalho.
Estava na SIC, foi para a RTP com o Nuno Santos e saiu da RTP com o Nuno Santos para vir para a SIC. Agora que o Nuno é director de Informação da RTP não está tentado ir de novo para a RTP?
Como disse, tenho um acordo de princípio com o Dr. Luís Marques e com a SIC para, quando terminar o meu contrato, continuar na SIC.
Mesmo que o Nuno Santos o convidasse, se é que já não o fez?
Há uma frase que diz "a hipótese é uma coisa que não é mas que a gente finge que é para ver o que seria se fosse". Isso não se coloca. Não fui convidado e sinto-me bem assim.
Gostava de fazer entrevistas intimistas à nossa classe política?
Sim, e vai acontecer. Vamos conseguir abrir o leque de convidados ao espectro político.
Com quem?
Vamos ver, quando eles aceitarem... mas sobretudo com aqueles que têm mais relevância pública. Há abertura para isso.
Qual seria a primeira pergunta que faria a José Sócrates no seu programa?
"E agora?"
E a Pedro Passos Coelho?
(pausa) "Se o Filipe La Féria o tivesse aceitado no My Fair Lady, onde estaria agora?"
E que resposta daria ele? O Daniel já disse que quando pensa numa pergunta tenta sempre antecipar a resposta...
Ele certamente diria que não consegue tecer esses cenários e que está focado naquilo que está a fazer neste momento.
Vota habitualmente?
Sim.
Em branco?
Nunca votei nulo, mas em branco, sim.
A sua família vê os seus programas?
Sim, mas não tecem grandes comentários (risos). Sei que para a minha avó e para a família mais próxima dificilmente estarei mal em alguma entrevista, mesmo que esta possa ter sido um desastre. Sabe-me bem que, de alguma forma, eles caminhem ao meu lado.
Os seus avós acompanham-no desde sempre. A sua infância, apesar de amargurada, foi feliz?
Sim! Neste momento, fazendo o balanço... nós, aos 30 anos, temos uma visão diferente do que nos aconteceu ao longo da vida, uma maturidade que não temos aos 15 e aos 20. Apesar de tudo, olho para a infância e vejo um miúdo muito protegido por aqueles que lhe eram mais próximos, como os avós, as tias, a prima, e isso norteou-me de alguma maneira. Não tenho nenhum tipo de angústia. A minha infância é um capítulo que ficou encerrado. Tudo o que veio depois é tão superior que é mesmo só um capítulo.
Quando era criança imaginava que as coisas podiam ser, como diz, superiores?
Não, nem perspectiva tinha. Estava além do meu alcance de vida. Não pensava sequer nisso.
Escreveu Uma Dose de Droga, Um Grama de Esperança, em que conta a sua história de vida, e depois deixou de falar disso. Arrependeu-se de ter escrito o livro?
Não. O livro tinha um propósito, que era banalizar uma série de episódios com uma carga dramática muito intensa para toda a família, porque há sempre pessoas que comentam "aquele é o pai de tal" ou "o filho de tal" ou "a irmã de tal". O livro quis tornar essas histórias públicas... De alguma forma, ser o espelho para os protagonistas para, mais do que um grito de revolta, agitar e tentar mudar alguma coisa. Se continuasse a falar do livro dez anos depois, ele deixaria de ser um espelho e passaria a ser uma seta para as pessoas que... para os meus pais, em concreto, que estão bem, que tem cada um a sua vida, que se superaram.
Não há rancor?
Nenhum rancor. Amo muito os meus pais, tenho uma excelente relação com eles, muito próxima. Eles são muito novos. Têm os dois 47 anos (pausa). É uma relação muito... saudável e isso deixa-me orgulhoso por aquilo que o livro conseguiu: tirar esse peso de cima das pessoas da família.
O que é que os seus pais lhe ensinaram?
Deram-me conselhos muito concretos do que era ou não correcto fazer.
Devido ao facto de terem sido toxicodependentes, também aprendeu muitas coisas à custa da observação?
Tenho essa capacidade, julgo, de aprender com os erros dos outros e isso ajuda a evitar uma série de caminhos. Aprender com os nossos mas também com os dos outros.
Como é que se vive a infância dentro do mundo da droga e não se entra nele?
Devido à protecção que tinha, sobretudo...
Dos seus avós?
Dos que me eram próximos. E julgo também que, por alguma questão pessoal, pela observação, por não ter sido nunca esse o caminho. Por nunca me ter sentido tentado.
Nem para experimentar?
Nunca, nada. Sou um careta (risos).
Nem um cigarro?
Um cigarro experimentei, mas mais nada... charros, nada!
O seu passado e o que viveu com os seus pais vai ajudá-lo a ser melhor pai?
Acho que será o papel em que me vou encaixar melhor, o de ser pai. É um objectivo que tenho, e acho que vou conseguir canalizar para os meus filhos aquilo que tenho guardado. Vou tentar passar as vivências mais saudáveis, tendo sempre respeito pelos mais velhos.
Em criança, era daqueles miúdos que idolatram as estrelas de televisão?
Sim... Ia para as portas da SIC.
Mas ia já com a intenção de entrevistar?
Sim, para o tal jornal que eu fazia, o Penalty. Sobretudo naquela época, a SIC tinha surgido há dois ou três anos, tinha 50% de share, era a estação mais vista, tinha quase que mostrado uma outra luz, uma outra televisão, uma outra alegria, e o facto de gostar de comunicar e de me fascinar aquele mundo da televisão fazia que eu idolatrasse uma série de pessoas que, lá está, me pareciam muito distantes.
Lembra-se da primeira vez que entrou em Carnaxide?
A primeira vez de todas, a primeira para fazer uma entrevista foi à Alberta Marques Fernandes. Lembro-me... Entrevistei-a na sala de espera que agora é o cabeleireiro, mesmo junto à redacção.
O que é que sentiu nesses primeiros minutos?
Estou cá dentro. Isto afinal é assim.
Era como imaginava?
Não, é sempre diferente. Quando voltei à SIC, agora em 2008, reconheci os cheiros de alguns corredores, reconheci espaços como se calhar mais ninguém porque os vivi de uma forma muito intensa. Eu tinha 16 anos e quem já tem 30 anos e está de uma forma mais profissional não liga tanto. Eu absorvi uma série de pormenores que voltaram todos passados esses anos. Tenho noção de que tive uma dose de sorte muito grande. Conjugou-se uma série de factores que seriam hoje irrepetíveis para um miúdo de 16 anos começar a trabalhar num canal de televisão.
Foi a sorte que o trouxe até onde está hoje?
Sim, a sorte e o que eu consegui fazer com ela. Soube aproveitar a oportunidade, o momento. E soube vivê-lo.
Nem nessa altura imaginava onde iria chegar?
De todo. Eu queria era ver e experimentar tudo, tocar em tudo, perceber como é que funcionava.
Nunca estabeleceu metas, portanto.
Não, até porque acho que é desnecessário. A realidade altera sempre o que imaginamos.
Como já trabalhou numa revista de televisão e social, sabe como as coisas funcionam. De que forma lida com a invasão da sua privacidade?
É uma consequência natural do mundo em que vivemos. Lembro-me de ser mandado para o Algarve no Verão para fazer entrevistas e conseguir que alguém fizesse uma produção em biquíni era a conquista maior. Hoje parece-me absolutamente banal. Antes havia um pudor muito grande. As regras do jogo mudaram e há quem aceite e participe e há quem compreenda as regras do jogo mas não entre nele. Cada um sabe de si.
Agora que está na mira das câmaras, como é?
Tendo trabalhado em imprensa e o facto de conhecer bem o meio, de compreender os propósitos e saber as intenções e os métodos faz que não me exponha... e as pessoas caem porque querem, porque foram incautas. Comigo nunca aconteceu.
Foi esse conhecimento que fez que conseguisse esconder o namoro com a Andreia?
Eu não escondi nada. Nem mostrei. Eu continuei a fazer exactamente a mesma vida que fazia.
Mas teve mais cuidado para não ser apanhado?
Não, vou jantar fora quando me apetece, vou ao cinema quando me apetece. Se calhar tive sorte. Talvez seja isso.
A Andreia é a mulher da sua vida?
(pausa) Hmmmm... A Andreia, e esta é a única frase que direi, faz-me sentir especial. Ponto. Fim de citação.
É romântico? Do género de fazer surpresas, mandar flores com um postalinho...
Alguém que trabalha as emoções tende a ter as emoções mais apuradas. O que quer dizer que acho que... os gestos... nunca pecam por escassos (risos). Mas sem exageros.
Se fosse crítico de TV, o que diria sobre o Alta Definição?
Isento?
Isento.
Diria que é um programa eficaz. Diria uma coisa que nunca foi dita. Que pela primeira vez na história da TV moderna um programa que dá às 14.00 de forma regular rivaliza com programas que dão à noite. E isso nunca foi escrito e acho que é injusto. Estou a falar em número de espectadores, o que é incrível para um programa que não custa um por cento do que custa qualquer outro que rivaliza com ele em termos de top 5. Qualquer um.
Que crítica faria ao Daniel Oliveira? Há quem diga que ele é um tipo vaidoso...
Mais do que vaidoso, dizem que é arrogante. O que não me incomoda nada. Também atribuíam o meu sucesso às amizades que eu possa ter.
Nomeadamente com o Nuno Santos.
Sim, com quem eu aprendi muito sobre televisão. Mas isso é quase como se os telespectadores, nos últimos dez anos, estivessem em casa a pensar: "Vou ver isto porque ele é amigo de não sei quem" e não porque gostassem realmente do programa.
Que pergunta é que o Daniel Oliveira faria ao Daniel Oliveira no Alta Definição?
(pausa) Que pergunta é que faria? (pausa) Não sei, não preparei a entrevista (risos).
Não sabe nada sobre o Daniel Oliveira para lhe fazer uma pergunta?
Ainda não fiz pesquisa (risos). Talvez uma coisa que costumo perguntar no programa: "Alguém te conhece como só tu te conheces?"
E a resposta seria...
A resposta seria não.
O que é que dizem os seus olhos?
Dizem que o melhor ainda está para vir.
NTV
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