O autor da SP Televisão foi premiado com um Emmy por ‘Laços de Sangue’. O segredo, diz, é “estar atento e informado, ler jornais, conhecer pessoas e frequentar muitos cafés”
‘Laços de Sangue' venceu o Emmy de melhor novela internacional. O que sentiu quando ouviu o anúncio?
Foi uma euforia. Tinha uma expectativa enorme com esta nomeação porque o trabalho que fizemos teve o impacto que teve em Portugal, conseguiu agarrar o público. Foi uma novela que fez parte da vida das pessoas ao longo daqueles meses, o que era um fenómeno que estava a desaparecer. Isto fez-me acreditar que, depois da nomeação, também era possível vencer. E em Nova Iorque, ao ter a possibilidade de visionar as outras nomeadas, percebi que seria possível vencermos. Só havia uma situação que jogava contra nós: o facto de uma novela portuguesa ter ganho no ano passado.
Como têm sido estes dias desde que receberam o Emmy? Alguma coisa mudou?
Ainda é muito recente. Claro que há uma série de solicitações. O que espero que mude é o impacto que a nossa ficção tem lá fora e que permita que ‘Laços de Sangue' possa ser vista um pouco por todo o mundo, dobrado em várias línguas.
Portanto, o que pretende é a internacionalização da novela...
O que pretendo é a internacionalização da nossa ficção em geral.
Pessoalmente, acha que o prémio lhe pode abrir portas a nível internacional?
Não pensei nisso. Gosto do que faço, gosto de estar na SP Televisão, tenho tido oportunidade de fazer coisas que me dão muito prazer e tenho a felicidade de me darem espaço criativo. Sinceramente, ir para Los Angeles [Hollywood] não é uma coisa que me deslumbre. Quero continuar a fazer mais pela nossa ficção.
A novela portuguesa ultrapassou a brasileira?
Há algumas novelas portuguesas que serão melhores que as da Globo mas o problema orçamental está sempre presente. Estamos a falar de ordens de grandeza que não são comparáveis. O problema de Portugal é só ter 10 milhões de habitantes, a audiência é reduzida, as receitas publicitárias são reduzidas o que resulta em orçamentos reduzidos para a ficção. Esse é o nosso principal problema, e temos de o ultrapassar com o nosso esforço.
No entanto, os prémios mostram que os orçamentos não são tudo...
Sim, as soluções criativas podem ser um aliado.
Depois de ‘Laços de Sangue' a SIC estreou ‘Rosa Fogo' (de Patricia Muller). O que está a falhar para não cativar tanto público?
Não está nada a falhar. Não há é fórmulas para o sucesso de uma novela. As questões da programação na estação onde a novela é exibida e nas outras pode contribuir para o sucesso ou não, mas o produto em si não tem nenhum problema.
O facto da Globo não estar presente nesta novela poderá ser uma explicação?
Não, porque como lhe disse não acho que a novela tenha qualquer problema. Temos excelentes profissionais em Portugal, a novela tem excelentes actores, o projecto está bem elaborado e, portanto, não partilho das críticas que lhe fazem.
Actualmente quem tem as melhores novelas? A SIC ou a TVI?
Na SP, com a aposta da SIC, trabalhamos para oferecer a melhor ficção e tentar superar a concorrência directa que temos. Agora, temos uma diferença: a TVI tem em exibição três, quatro novelas e nós estamos a produzir uma, o que torna um bocado difícil a comparação. Quero acreditar que aquilo que fazemos possa ter mais qualidade, mas deixo isso para os críticos da especialidade e, sobretudo, para o público.
Já escreveu séries e novelas. Quais as principais diferenças?
A novela exige uma capacidade de trabalho muito grande, lidamos com muitos núcleos de personagens. E temos sempre de criar um ‘gancho' para agarrar o público. Além disso, as novelas vivem da vida privada das personagens o que nas séries, muitas vezes, não acontece. A diferença passa muito pelo estilo de escrita.
O que gosta mais de escrever?
Quero é poder fazer tudo! Não quero só fazer séries ou telenovelas. Quero contar histórias. Quero escrever dramas, quero escrever humor e tenho tido a felicidade de poder escrever coisas muito diferentes.
Qual o projecto em que mais gostou de trabalhar até agora?
É muito complicado. Todos os projectos que tenho feito têm-me dado muito prazer. A escrita é muito obsessiva e, portanto, aquilo em que se está a trabalhar é sempre a escolha do momento. Por isso, neste momento, a minha opção é o ‘Dancin' Days'.
Houve algum projecto que tenha contribuído decisivamente para o seu crescimento como autor?
Esta última fase das novelas, o ‘Perfeito Coração' e o ‘Laços de Sangue', foi fundamental para a minha aprendizagem. Escrever para um canal que é líder de audiências [TVI] é mais confortável e quando me mudei para a SIC o desafio foi enorme. Quando é lançado o desafio de tentar superar a TVI é uma grande responsabilidade e aí senti um crescimento como autor porque me quis superar.
Pela sua experiência, quais as diferenças entre as produções dos dois canais?
Hoje em dia a tecnologia está acessível a todos e, portanto, a diferença não é tecnológica. Há é diferenças de conceitos e obviamente pessoas diferentes que estão a trabalhar o mesmo género. Quando a SP criou a sua equipa criou-a pensando numa determinada identidade para a sua ficção e a SIC escolheu a SP como parceira porque achava que essa identidade se adequava mais àquilo que é a estação e que é o seu público. Mas não há uma resposta simplista para quem é o melhor ou o pior.
O futuro vai reforçar a presença de novelas ou poderão surgir em força outros géneros de ficção, como séries ou telefilmes?
É importante a diversidade de ficção e na SP temos tido essa opotunidade de trabalhar com vários géneros. Mas não sei para onde é que caminhamos.
A venda de um canal da RTP poderá trazer alguma mudança para os autores?
Não acho que um novo canal vá mudar assim tanto. Para os autores o grande desafio era se o cabo começasse a produzir ficção portuguesa, coisa que neste momento não acontece porque em termos de lei nem sequer têem essa obrigatoriedade. Estes canais compram exclusivamente ficção estrangeira e se assim não fosse talvez as coisas fossem diferentes.
As séries e telefilmes nacionais têm a mesma qualidade das novelas?
Sim! Estava em Nova Iorque e quando estávamos a ver os candidatos para melhor série comecei a pensar: podiámos estar aqui também! Claro que voltamos às questões de orçamento e isso pode ser uma limitação. E as nossas séries até estão a ter impacto lá fora. A ‘Liberdade 21' esteve presente em inúmeros festivais internacionais, a ‘Cidade Despida' ganhou um prémio em Moscovo, ‘O Segredo de Miguel Zuzarte' esteve em Berlim. Claro que depois, como aconteceu em Monte Carlo, ter a ‘Liberdade 21' a competir com o ‘Dexter', ‘Lost' e ‘Mad Men' reduz a possibilidade de ganhar. Estamos a falar de orçamentos astronómicos e de séries que gravam quase como cinema. Mas estar nomeado na mesma categoria da ficção americana quer dizer que estamos na primeira divisão.
Trabalha para RTP e SIC. Sente alguma diferença?
A principal diferença tem sido na questão dos formatos que produzimos para cada um. Porque de resto há um respeito enorme entre todas as partes.
Onde arranja inspiração?
(risos) O fundamental para um argumentista é estar atento e informado. Ler jornais, conhecer pessoas, frequentar muitos cafés. Muitas personagens que acabamos por escrever são uma espécie de ‘best of' de pessoas que vamos conhecendo. O importante é ter algum mundo!
Neste momento está na SP Televisão. Onde perspectiva estar daqui a uns anos?
Provavelmente na SP. Estou muito bem na SP, gosto daqui estar e das pessoas que trabalham comigo.
Está actualmente a trabalhar no remake de ‘Dancin' Days'. O que espera desta novela?
Tenho as expectativas muito altas. Está a correr muito bem. Estou a trabalhar com grande parte dos argumentistas que escreveu os ‘Laços de Sangue'. Já temos alguns episódios escritos. É um texto que toda a gente se lembra e portanto o que quero é que mantenha a identidade do original mas que ao mesmo tempo tenha a ousadia para ser mais do que isso.
Não sei. Vai depender dele. Estive no Rio de Janeiro a conversar com ele sobre as ideias para o remake. Foi uma conversa muito produtiva.
Em Laços de Sangue trabalhou com outro grande autor brasileiro Aguinaldo Silva. Como se processou essa colaboração?
O Aguinaldo é uma pessoa muito interessante. Tem um enorme respeito pelo nosso trabalho e não tentou mudar a nossa maneira de o fazer. Foi um excelente conselheiro que nos momentos precisos deu uma opinião sobre aquilo que estávamos a fazer. É alguem que sabe muito disto.
O que aprendeu com ele?
A principal lição foi o não ter vergonha de ir ao fundo das emoções quando se escreve. Drama é drama. Ensinou-me o lado despoderado de escrever novela.
As co-produções com a Globo devem continuar?
Isso é uma decisão que depende da SIC e da Globo. Claro que para mim ter a oportunidade de conhecer outros profissionais que têm muito conhecimento do que é novela é uma grande riqueza. Tenho tentado aproveitar ao máximo as conversas com eles.
Já sabe o que vai fazer a seguir?
Neste momento é só ‘Dancin' Days'. E nem estou preocupado com o que vou fazer a seguir. Temos de estar focados naquilo que estamos a fazer e no nosso objectivo imediato e ainda tenho muitos meses pela frente de ‘Dancin Days'.
PERFIL
Pedro Lopes, 35 anos, é casado e tem duas filhas. Licenciado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa, foi durante o tempo de universidade que se iniciou nas lides televisivas como produtor. Trabalhou como guionista dos quatro primeiros ‘Big Brother', tendo ficado na TVI até 2007, quando se mudou para a SP Televisão. Actualmente, para além de Director de Conteúdos da produtora, é professor na Escola Superior de Comunicação Social.
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