No dia em que a SIC apresenta a sua nova grelha, Daniel Oliveira, Diretor Geral de Entretenimento da Impresa, deu uma entrevista ao jornal Público onde fala das audiências, da contratação de Cristina Ferreira, da rentabilização dos vários rostos do canal, do regresso do Levanta-te e Ri num especial em outubro e naquilo que os telespectadores podem esperar nos próximos tempos no canal.
O que representa a transferência de Cristina Ferreira para SIC?
Representa termos uma equipa mais reforçada com alguém que pensa a televisão tal como entendemos que ela deve ser hoje. A Cristina é um valor seguríssimo, tem um sentido de compromisso com tudo o que faz, um talento, uma energia e uma capacidade de trabalho que vêm somar valor aos valores que já temos na SIC. Significa que a Cristina vai também potenciar esses valores que temos, e vice-versa. É um feliz encontro de vontades, esta vinda da Cristina para a SIC. Acredito que ela traga um dinamismo que vai ser muito útil para os nossos objectivos na programação da SIC.
O que espera que Cristina Ferreira traga para a antena, mas também para as funções de consultora da direcção-geral de entretenimento?
As mais-valias que a Cristina traz são imensas, não só à antena, enquanto apresentadora, porque tem um perfil muito abrangente, e isso hoje é importante. A Cristina tem multiplataformas, no digital, para o público FTA [free-to-air, canal em sinal aberto], para o público dos targets comerciais que são importantes para a SIC – ela fala para todo o tipo de público, tem um espectro muito alargado e isso é muito importante nos dias de hoje. Tem a experiência do saber feito e enquanto consultora trabalhará com a direcção no sentido de formatar e coordenar alguns projectos que vai apresentar, mas também trazer ideias e capacidade de execução. É alguém a quem vou recorrer para somar valor, espírito criativo e crítico às nossas apostas e intenções enquanto programadores, quer para o canal generalista, quer para o cabo, quer para o digital. Essa transversalidade da Cristina é para nós muito importante.
Ela traz consigo mais de dois milhões de seguidores nas redes sociais e várias marcas associadas. Serão também formas de rentabilizar e justificar o que será o seu suposto valor contratual –estamos mesmo a falar de um milhão de euros anual?
Foram atirados muitos números para o espaço mediático nas últimas semanas e não vou comentá-los. Digo só que a Cristina vale pelo que vale. E isso diz tudo.
Esse valor pode estar afectado às audiências?
Não vou comentar.
Um canal generalista quer o grande público. Com o reforço Cristina Ferreira, está a trabalhar numa orientação cada vez mais popular?
Os canais generalistas vivem um momento muito desafiante, que passa por ser relevante em FTA, mas devemos ter a capacidade de falar para todos os públicos ao mesmo tempo. Não acredito que a televisão linear tenha morrido, acho que tem de se reinventar, há modelos de programação e produção que estão ultrapassados. Temos de ouvir o público e perceber os seus comportamentos. Isto não é um processo científico, esta actividade de fazer televisão e programar, mas podemos tentar minimizar as variáveis que não controlamos. E termos pessoas que têm essa afinidade com o público é uma das mais-valias. Mas isso não é desligado do resto. A SIC continua a ser e a ter a prioridade de ser relevante nos targets comerciais [com mais rendimentos e formação, as categorias mais valiosas para os anunciantes]. Mesmo não tendo uma posição dominante em universo [global de espectadores], podemos ser relevantes em universo e nos targets comerciais, temos que adequar a nossa oferta consoante os horários. É uma empresa privada e isso é fundamental.
No início, SIC e TVI diferenciavam-se entre o prestígio e o popular, mas hoje aproximam-se muito. A que acha que isso se deve?
Há modelos que, pela sua eficácia, tendem a replicar-se. É a questão do ovo e da galinha, quem começou primeiro essa tendência? Nalguns casos sabemos, mas temos de caminhar para que a nossa oferta seja distintiva. A nossa concorrência não se cinge apenas aos canais generalistas. Competimos pela atenção das pessoas, pelo tempo que dedicam a consumir entretenimento, informação, o que seja. Estamos a competir também com o streaming, com as consolas, com o telemóvel.
O que quer que a SIC seja, sob a sua alçada de programador?
A relevância comercial, para nós, é importante, mas queremos ser competitivos. Há opções que são estratégicas e que são para reforçar – a ficção nacional é um pilar da nossa programação e queremos apostar não só em duas linhas de novela, como vamos continuar a ter, mas noutros géneros narrativos.
Como as séries, ou voltar à produção de cinema?
Como as séries, como os telefilmes, como os biopics, como os docudramas. A SIC, a médio/longo prazo, tem de estar à altura da demanda do mercado por storytelling. Não estamos só a competir por quem vê novelas. A SIC deve ser também um dos motores da indústria, trazer uma portugalidade para as histórias. Auscultar o mercado, hipóteses de co-produção, outros géneros complementares à nossa oferta. Algum público que terá migrado para outras plataformas estará disponível para consumir histórias em português de Portugal. Temos de fazer esse caminho tão rapidamente quanto possível.
Quando?
O nosso desejo é trabalhar com o olhar em 2019. O impacto que as nossas decisões têm na grelha, este ano, é algum, mas parte do processo estava em andamento.
A SIC está na ofensiva, de novo à conquista de um primeiro lugar?
Queremos ser competitivos em todos os horários e temos noção e respeito pelos outros operadores no sentido de perceber que, se fosse fácil encurtar a distância, isso já teria acontecido antes. Não nos comprometemos com algo que não está nas nossas mãos controlar. Vamos criar uma programação ágil, uma grelha dinâmica e que procura ter uma capacidade grande de resposta às solicitações do mercado. Não apontamos neste momento a nenhum objectivo com o qual não achamos que nos devamos comprometer.
Se fosse fácil encurtar a distância, isso já teria acontecido antes. Não nos comprometemos com algo que não está nas nossas mãos controlar Nem com o objectivo da liderança?
Nós queremos aquilo que está na nossa dependência directa. Temos noção dos passos que temos que dar para atingir os nossos objectivos, mas sem querer dar um passo que não seja o que é adequado a cada momento.
É conhecido por ser rápido nos ajustes nas grelhas, mas também por criar formatos. Há algum novo na nova grelha?
Na grelha deste ano, não.
Mas está a trabalhar em ideias originais?
Estamos sempre a trabalhar em ideias, mas a televisão não é um trabalho individual. Estamos a trabalhar de forma muito próxima com a equipa da direcção de programas. A presidir a todas as decisões está um trabalho de equipa.
O que será a nova grelha?
Uma das principais apostas desta rentrée é a nova novela Alma e Coração, de Pedro Lopes, vencedor do Emmy com Laços de Sangue. Depois temos o Casados à primeira vista, que é uma experiência social e mais do que o rótulo de reality show pode conter. Vamos ter o novo programa da Júlia [Pinheiro], à tarde, que não será um programa de daytime propriamente dito – é um outro registo, mais temperado, de histórias que podem ser mais saboreadas sem a urgência e a trepidação que o daytime muitas vezes contém. E no dia 7 de Outubro, por altura do aniversário da SIC, um Levanta-te e Ri especial no Coliseu dos Recreios. O Levanta-te e Ri faz 15 anos e é um projecto simbólico para nós. O humor sempre foi uma bandeira da SIC e é outro dos elementos estratégicos neste novo ciclo – apostar fortemente no humor, sendo que o seu espectro é muito amplo, da novela ao stand up. A ideia é que a SIC e os seus canais, temáticos, digital e generalista, sejam o que já foram – descobrimos os Gato Fedorento, os Bumerangue, o Jel. Queremos chegar a públicos que procuram isso noutras plataformas. Trazer a criatividade para dentro do processo de decisão é importante.
Tem convocado e reunido as pessoas do universo SIC para carburar ideias?
Tenho feito isso desde que entrei, falar com todos os nossos rostos e não só. Muitos desses humoristas e actores têm uma comunicação directa, nas redes sociais, com o público. São os nossos principais interlocutores com o público, têm a aferição apurada do que o seu público deseja em cada momento.
As televisões generalistas alguma vez vão recuperar da grande quebra de investimento publicitário de há uma década?
Continuam a captar a maior parte da fatia.
Mas é uma fatia muito menor e os preços mais baixos.
Há tempos que não voltam atrás. Temos de ser atractivos para o mercado, como somos, e criar soluções para que o modelo de negócio possa encontrar novas soluções de integração das marcas. Como patrocínios ou product placement na antena?
Sim, temos de fazer esse caminho e as indústrias criativas devem criar soluções de integração de marca. Esse caminho está a ser feito muito no digital e, nos canais generalistas, na ficção e nos programas de daytime. É um caminho que deve ser trilhado.
Sobre os “rostos SIC” e o universo de marcas e produtos que têm à sua volta, isso é parte indispensável da rentabilização dos seus contratos?
Claro, os rostos são activos que devem ser [assim] pensados.
É director-geral de entretenimento da Impresa. As principais metas a cumprir estão na SIC ou no audiovisual do grupo como um todo, com o streaming e a TV por subscrição no horizonte?
O nosso desafio é imenso e passa por mantermos a relevância em FTA, mas vai muito além disso. Queremos que os nossos canais temáticos sejam olhados em bloco. A estratégia digital é fundamental ao abordar o sector, não apenas como um espaço em que há declinação dos programas das generalistas, mas como um mundo de oportunidades em que podemos produzir conteúdos exclusivos e autónomos. E que o digital seja também motor do generalista.
Já está a pensar dessa forma integrada na grelha que vai apresentar?
Sim, a nova novela tem um núcleo passado na Cova da Moura. Nos estúdios da SP Televisão foi construída uma rua cenográfica que reproduz a Cova da Moura e a ideia é criar um conteúdo exclusivo para o digital em que vamos trabalhar os textos da novela na comunidade real, com miúdos da Cova da Moura em género de mini-documentário no digital. O Casados à Primeira Vista terá como apresentadora a Diana Chaves e ela fará conteúdos complementares no digital. Esta integração é crucial para o sucesso dos produtos e para tocarmos públicos que provavelmente já não estão nas generalistas.
A SIC e a Impresa têm tido anos de cortes financeiros e de pessoal. Com que orçamento está a trabalhar? Há uma racionalização obrigatória?
Há uma racionalização que tem a ver com a alocação dos recursos, que são os mesmos, mas com uma distribuição diferente. O exemplo de pôr o Passadeira Vermelha [da SIC Caras] no late night [da SIC, em vez de séries americanas] representa uma poupança de centenas de milhares de euros. Valor que nos permite fazer investimentos noutro domínio e em horários que podem ser mais decisivos. Essa gestão integrada com os canais temáticos permite optimizar a distribuição do orçamento e melhorar muito a qualidade dos produtos. Uma ideia central é que não nos vamos comprometer com nada que não tencionemos cumprir. O que está no nosso poder é o trabalho, a entrega a cada projecto.
Há quase 20 anos, o Big Brother mudou a televisão. Ainda há programas assim, que marcam um antes e um depois?
Há cada vez menos. Os Gato, com o Esmiúça os Sufrágios, por exemplo, foi um programa diferente e chegou a fazer 40 pontos de share. Provavelmente o modo de aferição do sucesso de um produto é que tem de ser adequado aos tempos que vivemos. Um programa de televisão não deixa de o ser se for visto online ou de forma parcelada. O impacto que um programa tem não é só pelas audiências, é nas redes sociais, no digital, e isso deve ser também pensado quando apostamos nele.
Outro conteúdo de sucesso garantido é o futebol.
Temos a Liga Europa.
Mas não entrou na corrida pelos direitos da Liga dos Campeões. Porque é demasiado caro?
Com a Liga Europa temos uma oferta que nos tem dado resultados bastante bons nos últimos seis, sete anos. Por força da competição da Champions, cujos gigantes futebolísticos tomam por completo, os clubes portugueses acabam por ter mais chances de sucesso na Liga Europa – contém sempre clubes portugueses até uma fase longeva da prova. É uma aposta que vamos manter, renovámos o contrato e estamos satisfeitos porque são jogos muito competitivos, que nos oferecem um resultado de audiência bastante satisfatório.
Ainda no desporto, os programas de debate das polémicas e das emoções clubísticas – e à luz dos últimos meses em que se analisou como eles contribuem para inflamar os ânimos em torno do futebol – preenchem muitas horas de programação barata no cabo. Mas não terão custos para a imagem da SIC?
São produtos sobre os quais não tenho responsabilidade directa, estão na órbita da direcção de informação. Devemos ter capacidade de falar de assuntos que a sociedade quer que sejam falados. Não haveria tantos programas se não tivessem o público que têm. Nalguns casos, acho que se extremaram um bocadinho as posições e se excedeu aquilo que deve ser, não propriamente na SIC, mas devemos continuar a estar em linha com aquilo para que há apetência. Muitas vezes, o futebol é gerador de uma atenção imensa e é muito mais do que a indústria do desporto propriamente dito. Em Portugal, isso é ainda mais gritante. Não devemos ignorar todo esse mundo, mas a SIC vai dar passos no sentido de enaltecer também o futebol propriamente dito, os artistas do futebol. Quem gosta e quem foi miúdo a gostar de futebol foi cativado pelo desporto, pelos seus ídolos, e devemos olhar para o futebol e para a televisão com abertura – que muitas vezes os clubes não dão – para dar espaço aos ídolos, para que eles tenham antena aberta e sejam também modelos e exemplos para os miúdos.
A TV por subscrição é uma espécie de grande quinto canal, tem um quarto da audiência do país. A SIC foi a primeira a ter canais temáticos. Vai manter todos, mesmo os que parecem sobrepor-se, como a SIC Caras e SIC Mulher?
Sim. E são muito complementares. A SIC Mulher é muito generalista, tem alguns dos melhores formatos do mundo – o Married at first sight, que vamos ter na generalista em versão portuguesa, começou por ser da SIC Mulher e teve resultados avassaladores que nos fizeram olhar para o formato de maneira diferente. A SIC Caras tem muito a ver com o tema do showbiz. A SIC Radical é um canal também laboratorial, que descobriu caras como o João Manzarra, e que aposta no humor; e a SIC K tem programação infantil.
Como estão os contratos com os operadores de TV por subscrição, visto que também são uma forma de rentabilizar os temáticos?
Estamos em conversações com os operadores para os continuar.
Preocupa-o o envelhecimento do público dos generalistas? Com que margem se programa para a TV generalista – para um ano, cinco? Programa-se para idades, para literacias?
É uma condição inexorável da sociedade portuguesa, temos um país cada vez mais envelhecido. Daí a importância de não nos desconectarmos do restante público. Daqui a 15 ou 20 anos, esse público vai ter um modo de consumo totalmente diferente.
Mas, com o envelhecimento da população, há a mudança dos hábitos do consumo televisivo que afasta há muito os mais jovens, e não só, dos canais em sinal aberto.
Em Portugal, esses movimentos são mais lentos precisamente pela condição do envelhecimento da população. Mas se há cinco anos projectássemos o que seria a televisão hoje, ou se a Netflix ou o streaming teriam este impacto, provavelmente não conseguiríamos aferi-lo. Fazer essa projecção a cinco anos é um horizonte demasiado largo. Daqui a cinco anos, provavelmente, vamos ter modelos de negócio diferentes, mas o FTA vai continuar a ser muito relevante. Precisa de se reinventar, repito, e de criar conteúdos agregadores. Os principais operadores de streaming já estão em Portugal e é inevitável que comecem a produzir cá – os seus orçamentos são muito superiores aos nossos. Ligeiramente [risos].
Está a preparar-se para essa concorrência?
A chegada dos operadores deve ser olhada com atenção, mas também como uma oportunidade. Daí considerar que a SIC deve ser também motor da indústria: sermos detentores das ideias, dos textos, da criatividade, e termos uma máquina oleada que nos permita ter o músculo para entrar num jogo em que estamos, no fim de contas, a contar histórias portuguesas para portugueses – e que podem ter uma capacidade de exportação grande.
Que televisão vê só por gosto? Ou isso é impossível?
Consigo ver. Vejo muitas séries. Agora que fui pai, há três meses que não voltei a ver nenhuma [risos]. Informação, desporto, muita televisão nacional – aí já com um olhar diferente. Gosto muito da abordagem que alguns programas brasileiros fazem, como o Fantástico que casa o lado do “infotainment”. Gosto muito de alguns programas de debate político, esses vejo com gosto e não com olhar de programador. Mas se acontece qualquer coisa no programa que me chame a atenção...
Para onde olha quando procura ideias ou bons programas para trazer para Portugal? Para a Europa, para os EUA, para o Brasil, de onde acabou de voltar?
Vivemos um tempo exaltante, temos acesso permanente a conteúdos de vários pontos do mundo. Muitas vezes, as ideias não surgem de nada televisivo, mas de um livro, de uma história. Temos de estar abertos a descobrir novas formas de tocar as pessoas. No fim de contas, o que queremos todos é tocar a pessoa que está lá em casa.
Como entrevistador, tem uma catchphrase: “O que dizem os seus olhos”. Por que é importante para si tê-la? É a sua queda para criar marcas?
Não foi reflectido. A frase resulta de duas entrevistas que vi, uma ao Nicolau Breyner e outra ao actor brasileiro Raul Cortez, e de uma conversa com o realizador Luís Andrade, com quem trabalhei na RTP. Os três diziam que, em televisão, ninguém consegue ser quem não é. Os olhos nunca mentem, mesmo que o poder de argumentação seja bastante eloquente, o espectador faz a sua análise. Foi com base nessa ideia que criámos a pergunta, tentar perceber o que é que a pessoa pensa que dizem os seus olhos. Ser uma espécie de assinatura que a pessoa coloca em toda a história de vida que acabou de partilhar connosco. Acabou por ficar, mas não foi consciente a ideia de criar uma frase para o programa que fosse um bordão.
Esse valor pode estar afectado às audiências?
Não vou comentar.
Um canal generalista quer o grande público. Com o reforço Cristina Ferreira, está a trabalhar numa orientação cada vez mais popular?
Os canais generalistas vivem um momento muito desafiante, que passa por ser relevante em FTA, mas devemos ter a capacidade de falar para todos os públicos ao mesmo tempo. Não acredito que a televisão linear tenha morrido, acho que tem de se reinventar, há modelos de programação e produção que estão ultrapassados. Temos de ouvir o público e perceber os seus comportamentos. Isto não é um processo científico, esta actividade de fazer televisão e programar, mas podemos tentar minimizar as variáveis que não controlamos. E termos pessoas que têm essa afinidade com o público é uma das mais-valias. Mas isso não é desligado do resto. A SIC continua a ser e a ter a prioridade de ser relevante nos targets comerciais [com mais rendimentos e formação, as categorias mais valiosas para os anunciantes]. Mesmo não tendo uma posição dominante em universo [global de espectadores], podemos ser relevantes em universo e nos targets comerciais, temos que adequar a nossa oferta consoante os horários. É uma empresa privada e isso é fundamental.
No início, SIC e TVI diferenciavam-se entre o prestígio e o popular, mas hoje aproximam-se muito. A que acha que isso se deve?
Há modelos que, pela sua eficácia, tendem a replicar-se. É a questão do ovo e da galinha, quem começou primeiro essa tendência? Nalguns casos sabemos, mas temos de caminhar para que a nossa oferta seja distintiva. A nossa concorrência não se cinge apenas aos canais generalistas. Competimos pela atenção das pessoas, pelo tempo que dedicam a consumir entretenimento, informação, o que seja. Estamos a competir também com o streaming, com as consolas, com o telemóvel.
O que quer que a SIC seja, sob a sua alçada de programador?
A relevância comercial, para nós, é importante, mas queremos ser competitivos. Há opções que são estratégicas e que são para reforçar – a ficção nacional é um pilar da nossa programação e queremos apostar não só em duas linhas de novela, como vamos continuar a ter, mas noutros géneros narrativos.
Como as séries, ou voltar à produção de cinema?
Como as séries, como os telefilmes, como os biopics, como os docudramas. A SIC, a médio/longo prazo, tem de estar à altura da demanda do mercado por storytelling. Não estamos só a competir por quem vê novelas. A SIC deve ser também um dos motores da indústria, trazer uma portugalidade para as histórias. Auscultar o mercado, hipóteses de co-produção, outros géneros complementares à nossa oferta. Algum público que terá migrado para outras plataformas estará disponível para consumir histórias em português de Portugal. Temos de fazer esse caminho tão rapidamente quanto possível.
Quando?
O nosso desejo é trabalhar com o olhar em 2019. O impacto que as nossas decisões têm na grelha, este ano, é algum, mas parte do processo estava em andamento.
A SIC está na ofensiva, de novo à conquista de um primeiro lugar?
Queremos ser competitivos em todos os horários e temos noção e respeito pelos outros operadores no sentido de perceber que, se fosse fácil encurtar a distância, isso já teria acontecido antes. Não nos comprometemos com algo que não está nas nossas mãos controlar. Vamos criar uma programação ágil, uma grelha dinâmica e que procura ter uma capacidade grande de resposta às solicitações do mercado. Não apontamos neste momento a nenhum objectivo com o qual não achamos que nos devamos comprometer.
Se fosse fácil encurtar a distância, isso já teria acontecido antes. Não nos comprometemos com algo que não está nas nossas mãos controlar Nem com o objectivo da liderança?
Nós queremos aquilo que está na nossa dependência directa. Temos noção dos passos que temos que dar para atingir os nossos objectivos, mas sem querer dar um passo que não seja o que é adequado a cada momento.
É conhecido por ser rápido nos ajustes nas grelhas, mas também por criar formatos. Há algum novo na nova grelha?
Na grelha deste ano, não.
Mas está a trabalhar em ideias originais?
Estamos sempre a trabalhar em ideias, mas a televisão não é um trabalho individual. Estamos a trabalhar de forma muito próxima com a equipa da direcção de programas. A presidir a todas as decisões está um trabalho de equipa.
O que será a nova grelha?
Uma das principais apostas desta rentrée é a nova novela Alma e Coração, de Pedro Lopes, vencedor do Emmy com Laços de Sangue. Depois temos o Casados à primeira vista, que é uma experiência social e mais do que o rótulo de reality show pode conter. Vamos ter o novo programa da Júlia [Pinheiro], à tarde, que não será um programa de daytime propriamente dito – é um outro registo, mais temperado, de histórias que podem ser mais saboreadas sem a urgência e a trepidação que o daytime muitas vezes contém. E no dia 7 de Outubro, por altura do aniversário da SIC, um Levanta-te e Ri especial no Coliseu dos Recreios. O Levanta-te e Ri faz 15 anos e é um projecto simbólico para nós. O humor sempre foi uma bandeira da SIC e é outro dos elementos estratégicos neste novo ciclo – apostar fortemente no humor, sendo que o seu espectro é muito amplo, da novela ao stand up. A ideia é que a SIC e os seus canais, temáticos, digital e generalista, sejam o que já foram – descobrimos os Gato Fedorento, os Bumerangue, o Jel. Queremos chegar a públicos que procuram isso noutras plataformas. Trazer a criatividade para dentro do processo de decisão é importante.
Tem convocado e reunido as pessoas do universo SIC para carburar ideias?
Tenho feito isso desde que entrei, falar com todos os nossos rostos e não só. Muitos desses humoristas e actores têm uma comunicação directa, nas redes sociais, com o público. São os nossos principais interlocutores com o público, têm a aferição apurada do que o seu público deseja em cada momento.
As televisões generalistas alguma vez vão recuperar da grande quebra de investimento publicitário de há uma década?
Continuam a captar a maior parte da fatia.
Mas é uma fatia muito menor e os preços mais baixos.
Há tempos que não voltam atrás. Temos de ser atractivos para o mercado, como somos, e criar soluções para que o modelo de negócio possa encontrar novas soluções de integração das marcas. Como patrocínios ou product placement na antena?
Sim, temos de fazer esse caminho e as indústrias criativas devem criar soluções de integração de marca. Esse caminho está a ser feito muito no digital e, nos canais generalistas, na ficção e nos programas de daytime. É um caminho que deve ser trilhado.
Sobre os “rostos SIC” e o universo de marcas e produtos que têm à sua volta, isso é parte indispensável da rentabilização dos seus contratos?
Claro, os rostos são activos que devem ser [assim] pensados.
É director-geral de entretenimento da Impresa. As principais metas a cumprir estão na SIC ou no audiovisual do grupo como um todo, com o streaming e a TV por subscrição no horizonte?
O nosso desafio é imenso e passa por mantermos a relevância em FTA, mas vai muito além disso. Queremos que os nossos canais temáticos sejam olhados em bloco. A estratégia digital é fundamental ao abordar o sector, não apenas como um espaço em que há declinação dos programas das generalistas, mas como um mundo de oportunidades em que podemos produzir conteúdos exclusivos e autónomos. E que o digital seja também motor do generalista.
Já está a pensar dessa forma integrada na grelha que vai apresentar?
Sim, a nova novela tem um núcleo passado na Cova da Moura. Nos estúdios da SP Televisão foi construída uma rua cenográfica que reproduz a Cova da Moura e a ideia é criar um conteúdo exclusivo para o digital em que vamos trabalhar os textos da novela na comunidade real, com miúdos da Cova da Moura em género de mini-documentário no digital. O Casados à Primeira Vista terá como apresentadora a Diana Chaves e ela fará conteúdos complementares no digital. Esta integração é crucial para o sucesso dos produtos e para tocarmos públicos que provavelmente já não estão nas generalistas.
A SIC e a Impresa têm tido anos de cortes financeiros e de pessoal. Com que orçamento está a trabalhar? Há uma racionalização obrigatória?
Há uma racionalização que tem a ver com a alocação dos recursos, que são os mesmos, mas com uma distribuição diferente. O exemplo de pôr o Passadeira Vermelha [da SIC Caras] no late night [da SIC, em vez de séries americanas] representa uma poupança de centenas de milhares de euros. Valor que nos permite fazer investimentos noutro domínio e em horários que podem ser mais decisivos. Essa gestão integrada com os canais temáticos permite optimizar a distribuição do orçamento e melhorar muito a qualidade dos produtos. Uma ideia central é que não nos vamos comprometer com nada que não tencionemos cumprir. O que está no nosso poder é o trabalho, a entrega a cada projecto.
Há quase 20 anos, o Big Brother mudou a televisão. Ainda há programas assim, que marcam um antes e um depois?
Há cada vez menos. Os Gato, com o Esmiúça os Sufrágios, por exemplo, foi um programa diferente e chegou a fazer 40 pontos de share. Provavelmente o modo de aferição do sucesso de um produto é que tem de ser adequado aos tempos que vivemos. Um programa de televisão não deixa de o ser se for visto online ou de forma parcelada. O impacto que um programa tem não é só pelas audiências, é nas redes sociais, no digital, e isso deve ser também pensado quando apostamos nele.
Outro conteúdo de sucesso garantido é o futebol.
Temos a Liga Europa.
Mas não entrou na corrida pelos direitos da Liga dos Campeões. Porque é demasiado caro?
Com a Liga Europa temos uma oferta que nos tem dado resultados bastante bons nos últimos seis, sete anos. Por força da competição da Champions, cujos gigantes futebolísticos tomam por completo, os clubes portugueses acabam por ter mais chances de sucesso na Liga Europa – contém sempre clubes portugueses até uma fase longeva da prova. É uma aposta que vamos manter, renovámos o contrato e estamos satisfeitos porque são jogos muito competitivos, que nos oferecem um resultado de audiência bastante satisfatório.
Ainda no desporto, os programas de debate das polémicas e das emoções clubísticas – e à luz dos últimos meses em que se analisou como eles contribuem para inflamar os ânimos em torno do futebol – preenchem muitas horas de programação barata no cabo. Mas não terão custos para a imagem da SIC?
São produtos sobre os quais não tenho responsabilidade directa, estão na órbita da direcção de informação. Devemos ter capacidade de falar de assuntos que a sociedade quer que sejam falados. Não haveria tantos programas se não tivessem o público que têm. Nalguns casos, acho que se extremaram um bocadinho as posições e se excedeu aquilo que deve ser, não propriamente na SIC, mas devemos continuar a estar em linha com aquilo para que há apetência. Muitas vezes, o futebol é gerador de uma atenção imensa e é muito mais do que a indústria do desporto propriamente dito. Em Portugal, isso é ainda mais gritante. Não devemos ignorar todo esse mundo, mas a SIC vai dar passos no sentido de enaltecer também o futebol propriamente dito, os artistas do futebol. Quem gosta e quem foi miúdo a gostar de futebol foi cativado pelo desporto, pelos seus ídolos, e devemos olhar para o futebol e para a televisão com abertura – que muitas vezes os clubes não dão – para dar espaço aos ídolos, para que eles tenham antena aberta e sejam também modelos e exemplos para os miúdos.
A TV por subscrição é uma espécie de grande quinto canal, tem um quarto da audiência do país. A SIC foi a primeira a ter canais temáticos. Vai manter todos, mesmo os que parecem sobrepor-se, como a SIC Caras e SIC Mulher?
Sim. E são muito complementares. A SIC Mulher é muito generalista, tem alguns dos melhores formatos do mundo – o Married at first sight, que vamos ter na generalista em versão portuguesa, começou por ser da SIC Mulher e teve resultados avassaladores que nos fizeram olhar para o formato de maneira diferente. A SIC Caras tem muito a ver com o tema do showbiz. A SIC Radical é um canal também laboratorial, que descobriu caras como o João Manzarra, e que aposta no humor; e a SIC K tem programação infantil.
Como estão os contratos com os operadores de TV por subscrição, visto que também são uma forma de rentabilizar os temáticos?
Estamos em conversações com os operadores para os continuar.
Preocupa-o o envelhecimento do público dos generalistas? Com que margem se programa para a TV generalista – para um ano, cinco? Programa-se para idades, para literacias?
É uma condição inexorável da sociedade portuguesa, temos um país cada vez mais envelhecido. Daí a importância de não nos desconectarmos do restante público. Daqui a 15 ou 20 anos, esse público vai ter um modo de consumo totalmente diferente.
Mas, com o envelhecimento da população, há a mudança dos hábitos do consumo televisivo que afasta há muito os mais jovens, e não só, dos canais em sinal aberto.
Em Portugal, esses movimentos são mais lentos precisamente pela condição do envelhecimento da população. Mas se há cinco anos projectássemos o que seria a televisão hoje, ou se a Netflix ou o streaming teriam este impacto, provavelmente não conseguiríamos aferi-lo. Fazer essa projecção a cinco anos é um horizonte demasiado largo. Daqui a cinco anos, provavelmente, vamos ter modelos de negócio diferentes, mas o FTA vai continuar a ser muito relevante. Precisa de se reinventar, repito, e de criar conteúdos agregadores. Os principais operadores de streaming já estão em Portugal e é inevitável que comecem a produzir cá – os seus orçamentos são muito superiores aos nossos. Ligeiramente [risos].
Está a preparar-se para essa concorrência?
A chegada dos operadores deve ser olhada com atenção, mas também como uma oportunidade. Daí considerar que a SIC deve ser também motor da indústria: sermos detentores das ideias, dos textos, da criatividade, e termos uma máquina oleada que nos permita ter o músculo para entrar num jogo em que estamos, no fim de contas, a contar histórias portuguesas para portugueses – e que podem ter uma capacidade de exportação grande.
Que televisão vê só por gosto? Ou isso é impossível?
Consigo ver. Vejo muitas séries. Agora que fui pai, há três meses que não voltei a ver nenhuma [risos]. Informação, desporto, muita televisão nacional – aí já com um olhar diferente. Gosto muito da abordagem que alguns programas brasileiros fazem, como o Fantástico que casa o lado do “infotainment”. Gosto muito de alguns programas de debate político, esses vejo com gosto e não com olhar de programador. Mas se acontece qualquer coisa no programa que me chame a atenção...
Para onde olha quando procura ideias ou bons programas para trazer para Portugal? Para a Europa, para os EUA, para o Brasil, de onde acabou de voltar?
Vivemos um tempo exaltante, temos acesso permanente a conteúdos de vários pontos do mundo. Muitas vezes, as ideias não surgem de nada televisivo, mas de um livro, de uma história. Temos de estar abertos a descobrir novas formas de tocar as pessoas. No fim de contas, o que queremos todos é tocar a pessoa que está lá em casa.
Como entrevistador, tem uma catchphrase: “O que dizem os seus olhos”. Por que é importante para si tê-la? É a sua queda para criar marcas?
Não foi reflectido. A frase resulta de duas entrevistas que vi, uma ao Nicolau Breyner e outra ao actor brasileiro Raul Cortez, e de uma conversa com o realizador Luís Andrade, com quem trabalhei na RTP. Os três diziam que, em televisão, ninguém consegue ser quem não é. Os olhos nunca mentem, mesmo que o poder de argumentação seja bastante eloquente, o espectador faz a sua análise. Foi com base nessa ideia que criámos a pergunta, tentar perceber o que é que a pessoa pensa que dizem os seus olhos. Ser uma espécie de assinatura que a pessoa coloca em toda a história de vida que acabou de partilhar connosco. Acabou por ficar, mas não foi consciente a ideia de criar uma frase para o programa que fosse um bordão.
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