Daniel Oliveira em entrevista à Revista E do Expresso



Tem 38 anos. Mais de metade da sua vida foi passada na televisão. Dos bastidores às direções não houve praticamente nada que não tivesse feito. O trabalho é a sua respiração. O lugar de redenção, que lhe deu sonho e mundo, onde cresceu e se formou ainda adolescente, depois de uma infância pesada. Sobre esse passado, não guardou uma única mágoa. Foi campeão nacional de xadrez quando tinha 14 anos, e antecipa as jogadas olhando para a frente no tabuleiro que soube construir para si próprio. 
No último ano, assumiu a liderança da estação, onde, há quase dez anos, encontrou a sua imagem de marca como entrevistador do “Alta Definição”, onde centenas de individualidades de todos os quadrantes da sociedade portuguesa se revelam. 
Daniel Oliveira prefere este lugar. É um homem reservado, que pondera as palavras e prepara as perguntas antevendo várias hipóteses nas respostas. Nesta conversa, sentado no lugar do entrevistado, apresenta-se. 
Em menos de um ano à frente da Direção-Geral de Entretenimento do grupo e da Direção de Programas da SIC, conseguiu inverter os resultados e levar a estação à liderança, depois de doze anos a perder para a TVI. Era previsível que pudesse ser tão rápido? 
Sabia que, não sendo uma corrida contra o tempo, teríamos de apresentar resultados tão rápido quanto possível, porque a pressão é diária. Mas tenho de ser sincero: não estava à espera que fosse tão rápido, porque nunca depende só de nós. 
Que alterações fez na programação quando assumiu funções? 
Apostámos numa programação com uma matriz portuguesa muito mais forte e com maior aproximação à realidade. Aumentámos, na SIC generalista, a produção nacional em 100 horas por mês e em 60 horas a produção em direto. Reinventámos o conceito de daytime, com os programas da Cristina e da Júlia. Redefinimos o género reality, que nunca tinha tido grande adesão na SIC, e conseguimos transformá-lo num programa mais mediático e transversal, com o “Casados à Primeira Vista” ou com o “Quem Quer Casar com o Agricultor”. E reforçámos a ficção nacional com a série “Golpe de Sorte”. Depois há outras variáveis que estão menos sob o nosso controlo, porque o público é soberano e existia uma liderança de doze anos, enraizada e consolidada, da TVI. 
Mas essa sorte podia prevê-la, porque o adversário estava instalado na liderança, o que pode ter causado um certo adormecimento. 
Não tenho dados suficientes para aferir isso. O que sei é que em julho, quando assumi funções, a TVI levava 4,6 pontos percentuais (p.p.) de vantagem e a distância foi caindo até que, em fevereiro, a SIC passou à frente com uma décima de vantagem. Fomos subindo gradualmente e já estamos nos 4,5 p.p. de diferença. O jogo inverteu-se totalmente e isso é fruto da forma como nos posicionámos no mercado. Há uma ideia no xadrez, o princípio das duas fraquezas, que defende que nos devemos focar não apenas num ponto de ataque, mas encontrar outras fragilidades no adversário que o obriguem a cometer erros: um só ponto fraco não é suficiente para ditar uma derrota, nem um só ponto forte é um salvo-conduto para uma liderança. 
A liderança da SIC seria possível sem “O Programa da Cristina”? 
Sei apenas que foi, e é, uma peça-chave. E o que se provou é que a Cristina é muito mais Cristina na SIC do que anteriormente. Transversalizou-se e fala para todos os públicos. Num tabuleiro de xadrez, ela seria a dama. É uma peça valiosíssima. Ninguém faz televisão como ela. Foi também um fator de aceleração dos nossos resultados, claro, por isso fomos contratá-la. 
Já se conheciam? 
Tínhamos estado uma vez numa entrega de prémios.
Foi ideia sua ir buscá-la ou já estava a ser pensado pelo grupo? 
Já tinha havido uma ou duas tentativas de a contratar, mas a contratação começou com uma aproximação minha. Assumi a direção a 2 de julho e a Cristina felicitou-me quando assumi o cargo. Uma semana depois já estava a falar com ela, precisamente porque a identifiquei como sendo a figura ideal para incorporar esta matriz portuguesa de aproximação aos públicos. Sentimos uma sintonia imediata naquilo que queríamos. Foi um feliz encontro de oportunidades, porque ela estava a terminar o seu contrato [com a TVI]. A SIC beneficiou muito com a Cristina, mas a Cristina também beneficiou com a SIC. 
Em que medida? 
Soube reinventar-se. Percebeu que era muito mais do que um elemento da dupla com o Manuel Luís Goucha. Tinha um valor intrínseco individual, porque conseguiu tocar todos os públicos e ter um enorme sucesso com este programa. Acho que é um casamento muito feliz. 
Que tipo de públicos faltavam à SIC? 
Já tinha todos. Mas, sendo historicamente relevante nos targets mais urbanos e comerciais, para criar maior volume tinha de casar com as classes D e E, um público mais envelhecido, que antes estava menos connosco do que agora está. 
É uma cedência a uma televisão cada vez mais popular? 
Mais transversal. 
Não gosta da palavra popular?
Gosto, e até gosto particularmente. Mas neste caso prefiro transversal, porque os números dizem-nos que o nosso público tanto é de classe A/B como de D/E. Conseguir o pleno é, para mim, um fator de satisfação. “O Programa da Cristina” conseguiu elevar a fasquia, ter temas e temáticas que não eram tão habituais nestes formatos. Ter políticos a cozinhar num programa da manhã é uma coisa muito rara, tal como é ter entrevistas mais densas. 
A SIC ainda aposta muito nas novelas. Não é um modelo ultrapassado? Hoje os novos consumidores de televisão procuram sobretudo as séries. 
Acho que haverá sempre espaço para a novela, mas deverá haver uma reinvenção. Desde logo, tem de ter uma duração muito mais curta. Além disso, já temos a série “Golpe de Sorte” e vamos ter outra financiada pelo ICA (Instituto de Cinema e Audiovisual), “A Generala”, baseada numa história real, portuguesa, que vamos produzir em seis episódios. Queremos contar histórias que tenham essa portugalidade. E devemos fazê-lo de forma sustentada, com passos seguros, porque os custos de produção não são pequenos. 
Você é a pessoa certa para o lugar onde está agora? 
Não sou a melhor pessoa para responder a isso. 
Nunca dá nada por adquirido? 
Não damos por adquiridos os resultados que estamos a ter e continuamos a manter o nosso grau de atenção exatamente na mesma bitola. 
Mas essa não é uma característica sua? 
Sim. Nunca dou nada por adquirido. Sei exatamente quantas escadas foram subidas no processo evolutivo como profissional e sei quão rápido se pode tornar essa descida. Portanto, a nossa luta muitas vezes é connosco mesmos: queremos provar que continuamos a saber fazer aquilo que queremos fazer. 
O que é para si a televisão? 
A televisão reproduz a vida, há um fascínio que não é decifrável. Não é decifrável o encantamento que consegue gerar nem a emoção que provoca. 
Entrou na televisão com 16 anos. O que o atraiu nesse mundo? 
Talvez pelo facto de nesse tempo andar a fazer alguma introspeção, a televisão pode ter sido o escape. Os brasileiros costumam dizer: “Um sofá mantém você na favela, uma televisão tira você de lá”. Precisamente, abre um horizonte. 
Como espectador acredita nisso?
Sim. Acredito que tem essa função de nos fazer sair da realidade. 
Uma das maiores qualidades que lhe apontam tem que ver com a sensibilidade de conhecer o país para pensar em programas de grande público. Como ganhou essa experiência? 
Tem que ver com a própria vida. Com o facto de não ficarmos fechados em gabinetes. 
Como jornalista faz entrevistas. Só esteve fora do gabinete logo no arranque da SIC Notícias e nos programas de desporto. Esse conhecimento como lhe chega?
Não consigo fazer essa descodificação de uma forma clara. Em primeiro lugar, tem que ver com o que já consumi de televisão. Por outro lado, na minha vida sempre estive mais próximo desse mundo do que de uma realidade mais elitista. 
Em que sentido?
Nasci numa família de classe média-baixa. Desde logo, no processo de crescimento e de formação, quer queiramos quer não, isso influencia. 
Cresceu na Amadora. Manteve essa relação com o lugar de origem? 
Não continuo a ir fisicamente aos locais, porque a minha família já não vive no mesmo sítio. Só a minha avó paterna, que visito regularmente, continua em Casal de Cambra, perto da Amadora.
Continua a ser um deles? 
Sim. Mas acho que, de uma maneira geral, o mesmo acontece no contexto profissional. A proximidade à realidade sempre foi um traço que mantive. O facto de ter estado muitas vezes na génese das coisas, na casa das máquinas, é importante. Tenho bastante capacidade de observação sobre a realidade que me rodeia. Ter trabalhado muitas vezes fora dos centros de decisão, num contexto operacional, ajuda-me a saber como se constrói um programa para chegar às pessoas. Somos também essas pessoas. A minha avó, por exemplo, é um ótimo barómetro para aferir os convidados do “Alta Definição”. No dia em que estou a ver o programa com ela, consigo perceber qual é o impacto que vai ter em termos de audiência. 
Como? 
Se fica completamente focada, sei que o programa vai ter uma ótima audiência. Se, pelo contrário, começa a fazer outra coisa qualquer... 
Porque é que ela é esse barómetro? 
Identifiquei esse padrão pela correspondência entre a maneira como se ligava aos programas de que gosta mais e as audiências. Quando estreou a série “Golpe de Sorte” e me telefonou a dizer que adorou, percebi naquele momento que iria ser um sucesso. 
Como é a sua avó?
É a pessoa sobre quem escrevi um livro chamado “A Fórmula da Saudade”. É uma pessoa com quem tenho uma grande proximidade. Nasceu em 1932 e continua com uma ótima vitalidade. Foi criada num contexto de grande humildade. Tinha muitos irmãos, com doze anos veio para Lisboa servir numa casa, como tantas outras naquela época, fez uma vida de trabalho e de batalha. Foi uma fazedora também. Ergueu negócios, teve um café, um salão de jogos. 
Foi com estes avós que cresceu? 
Não. Cresci com os avós maternos, que também tiveram uma vida de sofrimento grande. O meu avô teve um contexto familiar difícil e conseguiu constituir uma família e sustentá-la. Esses heróis anónimos que existem em todas as casas são tão ou mais meritórios do que as outras histórias.
Quando nasceu os seus pais tinham 16 anos. O contexto em que cresceu foi complicado, ambos eram toxicodependentes. Estes avós são as figuras de afeto e de proteção, quem lhe dá um mundo organizado e seguro?
Sim. Mas os paternos também, também cresci com eles. E via os seus pais como figuras paternas? Sendo os meus avós e a minha tia, mais velha do que eu dez anos, absolutamente vitais, a imagem dos pais nunca se afastou. Nesse ponto de vista não houve lacunas, os meus avós nunca se substituíram. Eu estava em contacto permanente com os meus pais. 
Com 20 anos escreveu o livro “1 dose de droga... 1 grama de esperança?”, em que conta a história dos seus pais, a relação que tiveram com a droga e o impacto que isso teve na sua vida. Porque o fez? 
A primeira razão tem que ver com uma espécie de exorcismo. Uma tentativa de atenuar o peso que essas histórias tiveram para mim, em particular, e para o resto da família. Sentia que devia normalizá-las. Na altura em que o escrevi, em 2001, já existiam muitos livros de pessoas que tinham vivido o drama da toxicodependência, mas penso que o meu foi um dos primeiros sobre uma geração de filhos cujos pais viveram esse contexto. Tinha também essa relevância de falar para pessoas que tivessem passado pela mesma experiência que eu. 
Teve logo consciência de que queria ter essa voz? 
Sim. Na altura eu já estava a trabalhar na SIC. Entendi que o facto de estar a realizar parte de um sonho era razão suficiente para mostrar a muitos jovens que estivessem a passar pelo mesmo que há uma luz ao fundo do túnel. O contexto em que se nasce não dita necessariamente o futuro que se quer construir. 
O que o levou aos 16 anos a ir a Carnaxide entrevistar as caras da SIC? O que esperava encontrar naquele mundo? 
Acho que não há ninguém que goste de fazer televisão que não tenha começado pelo fascínio que aquele mundo exerce enquanto espectador. Produz uma ideia de sonho e de imagética que é muito feliz para alguém que está no início da vida. Eu era um adolescente. E tudo isto que me influenciou. Ainda antes disso, aos 13 anos, criei um jornal de escola, o “Penalty”, para poder chegar aos outros de uma forma mais fácil do que trocar palavras. A forma que eu tinha de comunicar era essa. Foi com o pretexto de fazer entrevistas para o jornal que consegui ir até à SIC conhecer algumas pessoas por quem eu tinha esse encantamento. 
A criação do jornal já tinha esse objetivo? 
Não o fiz com nenhum intuito além de tentar concretizar alguma coisa que fosse palpável ou que tivesse impacto. Penso que tem mais que ver com a necessidade de dizer, mesmo que de forma metafórica, ‘eu sou capaz’.
Para provar a si mesmo que era capaz de sair do contexto onde estava? 
Sim, também. Sobretudo nessa idade de afirmação, é importante provar que conseguimos diferenciar-nos. A revista era absolutamente rudimentar, mas naquela época gerava à minha volta uma atenção por ter conseguido fazê-la. Era uma candura, mas que a mim me sabia muito bem. Entrevistar os colegas da escola e os professores fazia-me sair do meu ciclo de introspeção e sentir-me mais parte do grupo. 
Várias pessoas da televisão, algumas que entrevistou, recordam o arrojo do ‘miúdo’ que apareceu em Carnaxide. Também teve capacidade de provocar esse encantamento. Foi ao programa da Catarina Furtado, “Geração Fantástica”, precisamente como um bom exemplo da sua geração. O facto de já estar no meio da televisão deu-lhe noção do potencial da sua história? 
Já tinha resolvido escrevê-la muito antes. Precisamente porque sabia o peso que tinha para toda a família. No contexto dos vizinhos, havia, e naturalmente ainda há, um estigma. A minha ideia com o livro era que as histórias dos meus pais, ao serem verbalizadas por eles, perdessem a carga pesada que tinham. Queria falar delas através dos seus relatos. 
A principal razão foi a de quebrar o estigma? 
Não. O primeiro objetivo era mesmo tentar resolver o problema dos meus pais, que naquela altura ainda existia. Olhando a posteriori, ter feito isso naquele período da minha vida foi importante. As coisas souberam-se pela minha lavra e da forma como eu as quis contar, sem esqueletos no armário. Olhando para o mundo de hoje, e tendo em conta o meu contexto profissional, acabou por ser, inadvertidamente, muito precavido que o tivesse feito. 
O livro tem descrições muito violentas sobre episódios a que assistiu e outros que os seus pais lhe revelaram nas entrevistas que lhes fez: quando os acompanhou a sítios sórdidos onde iam comprar droga; a quantidade de vezes que ajudou a sua mãe a injetar-se; as visitas ao seu pai na prisão e, sobretudo, o capítulo sobre a prostituição da sua mãe. É duríssimo. Porque quis ir tão longe? 
Queria perceber o contexto, as razões exatas, como tudo aconteceu. E tinha esse direito. Se não tivesse havido entre nós esse exercício de honestidade, se fosse só para sublimar uma realidade, não faria sentido escrevê-lo. Precisava de ter essa carga de verdade. E essa carga é sempre dramática.
Acreditava que com o livro os poderia salvar? 
Talvez salvar seja uma palavra demasiado... queria resolver um problema. 
E porque não usar a palavra salvar? 
Tem um peso demasiado grande. E o pressuposto do livro talvez tivesse essa ideia... As pessoas é que se salvam a si mesmas. O livro teve essa importância e de alguma forma encerrou esse capítulo nessa altura da vida. Tudo o que foi construído a seguir é tão maior, maior do ponto de vista dos estímulos, da emoção, da relação de família, que de facto parecem duas vidas. Ali terminou uma e outra se construiu. 
Como é que escrever o livro ajudou a mudar a vossa relação? 
Porque os conheci melhor. Provavelmente também tiveram a noção de coisas que eu tinha visto e não sabiam. E também porque eles próprios, ao verbalizarem, tiveram uma noção maior de si mesmos. A minha ideia nunca foi ter o dedo apontado. Apenas contar a história de uma família e de uma geração, a geração pós-25 de Abril e que é a dos meus pais, que foi muito tocada pelo flagelo da toxicodependência. 
Falou com outros filhos de toxicodependentes? 
Para escrever, não. Depois, sim. Recebi centenas de cartas e mesmo muito depois, quando lancei os outros livros do “Alta Definição”, nas sessões de autógrafos apareciam pessoas com esse livro para me dizerem quão importante tinha sido para elas. Nessa altura, fui a várias escolas falar com miúdos sobre essa experiência. Depois deixei de o fazer, porque o livro deixou de ser editado. Propuseram-mo, mas eu não quis. Era um assunto arrumado. 
Quando diz que ficou resolvido, é como se o estilhaço fosse reconstruído? 
Esse estilhaço está lá sempre. Mas hoje a minha relação com eles é tão próxima, e até mesmo por haver uma proximidade etária permite-nos ter uma relação muito saudável, despudorada e aberta. Sem as conversas que tivemos naquele tempo, hoje não seria possível. Ficou encerrado ali e a vida seguiu para todos. Tinha 20 anos. Agora tenho 38, passou quase o mesmo tempo. A mim, o que que essa história me deu foi uma capacidade grande de resiliência. O contexto de alguém que resistiu e superou um ambiente adverso é muito formador. 
É um otimista. Essa qualidade norteou-o no caminho até chegar onde está agora? 
Há uma frase do Jean Cocteau sobre o Churchill: “Ele não sabia que era impossível. Foi lá e fez.” Também acredito nisso. É sempre possível esticar o limite da nossa ação. Ou, pelo menos, há sempre boas lições a tirar das adversidades. 
Aos 14 anos foi campeão nacional de xadrez. A sua endurance vem desse treino de jogador?
Sim. É muito norteador. Existe um exercício de perceber qual o efeito que cada uma das nossas jogadas tem no opositor e a partir disso pensar na jogada seguinte. Ter um olhar distanciado sobre o efeito das nossas ações, e prever o impacto que terá nos outros, permite avaliar antecipadamente a opção que se deve tomar. Uso isto não só nas entrevistas como em muitas outras situações. 
Nas entrevistas, como antecipa o efeito das suas perguntas? 
Preparando não só as perguntas como também as respostas. Ou seja, tento perceber os vários caminhos que podem ser tomados em cada circunstância. Estou seguro de que isto vem do xadrez. 
A grelha do xadrez está em todas as decisões da sua vida? 
Procuro que não se estenda à minha vida particular. Apesar de ser muito organizado em todas as rotinas. Mesmo que depois as coisas não aconteçam da forma que tinha planeado, gosto de saber que tenho um propósito e que caminho para uma direção. Antes de ir para férias, por exemplo, gosto de programar os dias, mesmo aqueles que são para não fazer nada. Preciso dessa organização. 
De onde vem essa capacidade de gestor, necessária para os cargos que agora ocupa? 
Cresci no contexto televisivo, onde sempre me foi solicitado que fizesse programas com orçamentos pequenos. Trabalhei muitas vezes com equipas pequenas e com grande capacidade de resposta. 
É outra das suas qualidades? 
Acho que sim, não tenho falsas modéstias nisso. A capacidade de resposta para criar programas de baixo custo sempre foi uma qualidade minha. Curiosamente, o programa de mais baixo custo e que maior impacto teve foi o “Alta Definição”. Estava numa equipa que fazia os outros dois magazines e o que fizemos foi realocar pessoas e material para o “Alta Definição”. Duas cadeiras, duas câmaras... 
Como teve a ideia? 
Sempre gostei de fazer entrevistas. Estive cinco anos na RTP, onde já as fazia no “Só Visto”. Quando vim para a SIC tive a ideia de fazer um programa onde mostrasse o lado mais pessoal dos entrevistados. O “Alta Definição” nasceu nesse contexto. Como não tínhamos orçamento, as pessoas iam sem maquilhagem... 
Ah, daí “o que dizem os teus olhos”. É porque estavam limpos e sem máscaras... 
[Risos] A pergunta não vem daí, mas fizemos disso uma força narrativa. 
Ainda é importante fazer o “Alta Definição”? 
Sim. Para manter a máquina oleada. E porque também é importante para a SIC o resultado do programa. Enquanto estes fatores estiverem em cima da mesa, o programa terá continuidade. Creio que serei o primeiro a perceber quando for a altura de parar. 
E tem necessidade aparecer? 
Não, nem por isso. Continuo a fazer o “Alta Definição”, primeiro porque gosto muito. Depois, porque traz qualquer coisa de bom: o facto de ter contacto com a vida de alguém que nos está a confiar a sua história, de alguma forma é redentor e faz-me crescer como ser humano. Além disso, durante duas horas respiro outra coisa, estou afastado do processo de decisão. 
Entrar nos sítios e ser imediatamente reconhecido é um alimento? 
Ando pouco nesses sítios. Mas sentir afeto por parte das pessoas é importante, é óbvio que esse reconhecimento é bom. Mas o “Alta Definição” não continua à boleia disso. O que eu gosto em antena é do processo de construção, de criar qualquer coisa que gera alguma emoção em quem está a ver. 
Quais são os seus limites quando se tem essa meta? Por exemplo, no dia do seu casamento foi para o ar um “Alta Definição” em que entrevista a sua noiva, Andreia Rodrigues. 
O programa tem um impacto social que faz com que muitas das revelações sejam ali anunciadas. 
Revelação ou promoção? 
Não é necessariamente uma promoção. Ainda na semana passada a Cláudia Vieira revelou no programa que estava grávida, tal como já tinha feito a Daniela Ruah. O Reynaldo Gianecchini foi entrevistado três vezes pela Marília Gabriela quando tinham uma relação. E há outros casos. O “Alta Definição” estava nesse dia na emissão: passar ao lado disso era desonrar o compromisso que temos com o público, fingir que nada acontecia. Mas a entrevista não é apenas sobre o casamento, tem que ver com muitas outras questões da vida daquela personalidade, que é uma apresentadora da SIC. A resposta que o público nos deu foi tremenda. 
A televisão é o lugar para estas revelações e confissões? 
Há 20 anos, vivíamos uma era em que as revistas mais sociais ou cor-de-rosa eram detentoras desse lugar e as figuras públicas perderam o controlo sobre o seu nome e a forma como comunicavam. As redes sociais vieram atenuar isso, porque as pessoas passam a comunicar as suas próprias histórias. O “Alta Definição” permite, no contexto de uma entrevista, que uma figura pública comunique com o seu público sem receio de que as suas palavras sejam deturpadas. 
O testemunho é importante. Mas qual é o limite para se conseguir audiências? No caso do programa com Andreia Rodrigues parece haver um jogo do tipo ‘eu sou o jornalista que estou a brincar que não sou o noivo sobre o qual a apresentadora de televisão está a falar’. 
Eu não sou jornalista, só para fazer um parêntesis. 
Não?
Aquilo é entretenimento. Eu entreguei a carteira de jornalista em 2002. 
Então o que é? 
Sou um profissional de televisão, um comunicador. 
Se fosse jornalista não podia fazer o que fez naquele programa ou podia? 
O que vejo é muito mais o registo jornalístico a aproximar-se do entretenimento do que o contrário. O espaço que as matérias de entretenimento ocupam nos jornais é muito superior. 
Para si o maior valor é o trabalho? 
O trabalho é muito importante e tem uma grande preponderância em quase tudo o que faço. Mas há mais dimensões. Desde há uns anos, e sobretudo desde que sou pai, acredito que a vida pessoal é mais importante. 
Além do trabalho, o que o ocupa? 
A família e os amigos. Procuro ter tempo para os viver e estar próximo. A capacidade que tenho hoje de delegar é muito maior, o que me permite acompanhar as rotinas da minha filha. Quero estar presente no seu crescimento, deitá-la, dar-lhe banho, brincar. Isto é essencial. As audiências são importantes, mas nada é mais importante do que a felicidade e o sorriso da minha filha. 
É fácil chegar a casa e desligar? 
É difícil. Porque, chegando a casa e tendo a televisão ligada, o olhar está sempre treinado para aferir se está tudo como devia estar. 
Tem duas televisões sempre ligadas, não é? Uma na SIC e outra na concorrência. 
Sim, para monitorizar os alinhamentos. Isto também vem do xadrez, estarmos sempre atentos ao jogo do adversário e à forma como se movimenta o nosso próprio jogo. 
Ainda joga xadrez? 
Às vezes jogo sozinho no iPad, outras online com o meu avô. 
E ele ainda lhe ganha? 
Muitas vezes. Mas é um jogo equilibrado. 
De que outras formas ocupa o seu tempo?
Muito do meu tempo é ocupado com a leitura. 
O que lê?
Sou bastante caótico, tenho sempre quatro ou cinco livros que leio ao mesmo tempo. Neste momento estou a ler a biografia do Saramago, do Joaquim Vieira, mas que ainda está a meio. Acabei um romance “Tudo é Rio”, de uma autora brasileira, a Carla Madeira, comecei uma biografia do Fellini, que encontrei num alfarrabista no Rio de Janeiro, e também estou a ler a “Eliete”, da Dulce Maria Cardoso. 
Faz zapping com os livros. E acaba-os? 
Acabo, sim. Mas tem tudo que ver com a disponibilidade mental para me dedicar a outras coisas que não o trabalho. 
Quando lê pensa em guiões? 
Agora sim. Lá está, esse não desligar faz com que muitas vezes um momento que é apenas de prazer convoque outras possibilidades. Por exemplo, no último ano, o facto de ter lido os guiões das produtoras de todos os programas que temos no ar, e de ter feito uma leitura criteriosa, não me deixou muito tempo para ler outras coisas. 
Todas as vidas dão uma boa história? Agustina Bessa Luís dizia que qualquer vida tem mais potencial do que um romance. 
E também dizia que o fim de qualquer coisa é sempre o início de uma coisa diferente. Gosto muito disso.

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